HOJE É MEU DIA

É possível ser feliz num mundo infeliz? Mais da metade da população mundial é sofredora, vivendo abaixo do nível da pobreza. Há terremotos, tsunamis, furacões, inundações e secas.

Manuel de Neneca vivia sua vidinha na santa paz que o convinha e, dedilhando viola, rimando versos e deitando palavras soltas ao vento, tocava sua vidinha ao lado da amada Mariinha. Manuel de Neneca bom de prosa, bom de verso, bom de cantiga, cantava a vida no melhor estilo de quem decorava músicas para alegrar saraus e serestas. Sempre bem vindo, ele abrilhantava as festas no melhor estilo de Vicente Celestino.

Manuel de Neneca era feliz no melhor sentido da palavra felicidade, nunca provara terremotos ou inundação; tusinamis ou furacões. Da seca não escapava, região agreste deste inclemente nordeste, acostumara-se com a escassez da água, água de barreiro já que o Rio Ipojuca seco se tornou, há anos sem saber o que é água. Afinal, a palavra Ipojuca origina-se do tupi guarani que significa água escura, pântano. Juntando as partes pantanosas do rio, água escura e dejetos lançados pelos ribeirinhos obtemos o resultado final: total poluição.

Manuel de Neneca até tentou banhar-se no rio, saiu mais sujo do que antes: merda por todo o corpo.

Criterioso em seu cantar, esse nosso herói do “nada por fazer” entrou numa esparrela danada: contraíra matrimônio com Mariinha, a mais bela do lugar, casamento combinado já que Mariinha era mais falada do que a Difusora Bandeirante, de Zezinho Soares.

Casa alugada na Rua do Velame, mobília pobre comprada na feira do fim de semana, panela de barro, fogão à lenha, enxoval todo bordado pela futura sogra, já que Mariinha tinha outros afazeres: rua do Chamego, chamegava até cansar, e não cansava.

Casaram-se Manuel de Neneca e Mariinha de Otília. Boa festança, isso foi. Todos queriam lavar a honra da bela Mariinha.

Com o passar do tempo, Mariinha foi enjoando daquela vida monótona, sem graça e sem emoção: dormir num colchão de palha, fazer amor um dia outro não, acordar, fazer café, preparar o almoço e nada mais.

Certa feita, mal a noite entrante espalhando sombras aqui e acolá, Manuel de Neneca sentiu toda a violência da natureza – furacão, tsunami, terremoto e seca – se abater em sua casa: Mariinha partiu levando suas roupas e pertences em um matulão, nem comida a desgraçada deixou, a roupa de cama desarrumada ainda, exalava o cheiro daquele amor cheio de dengo que marcara a noite anterior. Mariinha fugira com Mané de Jacira e foram morar em Pesqueira.

A dor de corno tomou conta da vida de Manuel de Neneca que em toda esquina e ruela ele pragueja em forma de canção aquele amor desfeito, na vã esperança de que um dia ela volte e peça-lhe perdão. Corno é assim mesmo...

Carlos Lira

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Enviado por clira em 31/01/2017
Reeditado em 02/02/2017
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