Uma fuga, por favor, para fora do ser e do não-ser
Já passou da meia-noite e como sempre o sono fugindo de mim. Saio para fora e fico a olhar para céu, que está mudo e vazio, triste e esquecido como as estrelas que nele habitam; no ar paira como uma névoa que se não vê, mas se sente, um dormir das sensações - a sensação de quando dizemos que nosso "pé dormiu" transposta numa linguagem subjetiva: "minha alma dormiu" - ao ponto de ruir como um som de estática de canal vazio, ressoando no intervalo entre o que penso e esqueço, entre o passamento inútil das estrelas, de tudo quanto existe para ser esquecido mais a consciência que tenho de mim mesmo neste instante...
O negrume da noite é como um manto de ilusão que cobre-me o horizonte com não sei qual imaterialidade que não se vê senão ocultando-se, escondendo por trás de si mesma, mas sei, através da lembrança, que as casas longínquas do horizonte estão apagadas mas estão lá, e que ainda continuam a representar-se como coisas que lá estão sem os olhos ver, seguindo o roteiro que a ilusão da vida reveste sobre as coisas. Vou tecendo na escuridão metafísica dos sentidos pensamentos sobre a impotência de se conhecer qualquer coisa, de ter de se iludir sabendo que é ilusão. De pensar por natureza...
E surge-me um cansaço tão profundo que nem o sono mais profundo me descansaria. Uma fraqueza na vontade, uma falta de força para seguir em frente, sem a mesma força para abdicar de tudo. Qualquer coisa aqui nem lá...
Sinto-me como uma chama pequenina que só tem calor para manter-se respirando. É um desejo de estar fora da vida, de sentir-se fora de si mesmo com consciência, sem sentido de si mesmo, é a ânsia pelo impossível que quer rasgar o tempo, os conceitos e sensações das coisas, o próprio conceito de "coisa" mesmo, quer estar fora da eternidade, na tentativa de se ver livre das palavras, de ser, de existir, de não-ser...