Pensar é sonhar. Viver é iludir-se!
“MEU FILHO! LUCIANO! ACHE O NOSSO FILHO!” , gritou uma mãe, e deitou sob o peso desfalecido de suas pernas bambeando, e de joelhos gritava pelo nome do filho...
O mar estremecia logo à sua frente, nos fazendo tão pequenos que a cena beirava a sensação do ridículo, como se um deus se risse da cômica tragédia humana. E eu, que também estava ficando aflito, passei a sofrer junto àquela mulher que eu nem conhecia, que se não fora por seus gritos de desespero, de agonia, teria-me sido apenas mais um dentre todos, pó do destino, assim como eu, que observava e sentia junto a todos que, aos poucos, ao redor da mulher iam se agrupando; se dividiam em duplas e discutiam, fazendo gestos e expressões, mais pessoas se enterneciam pela mulher desafortunada e chegavam compadecidos, e muitos deles apontavam para o leste, o lado o qual eu estava.
Eu assistia aquela cena imaginando e seguindo seus gestos com os olhos, curioso e pensando coisas a respeito do acontecido: "talvez sejas apenas um erro, viver é errar. A compaixão é um tipo de sofrimento, veja os rapazes ali, que de nada sabem, conversam sadios sem sentir-se mal", passou-me um pensamento falando - não sem uma pequena resistência nos sentimentos, que por parte dos gritos de desespero que junto ao som do mar e do longínquo horizonte, se sentia a impressão como de uma de promessa de um Kraken subindo à superfície sem nunca chegar nela, um rugido eterno de lugar nenhum, como um eco, que vinha com as ondas até as rochas próximas a mãe, convencida pela água fria do destino fatal do filho, já restabelecendo as forças e correndo em prantos para os braços do marido que chegara para saber o que estava acontecendo... Vejo agora tão nítido quanto o dia!
“ACHO O NOSSO FILHO!”, Luciano... - mas o som do mar parecia querer minha atenção e eu não consegui ouvir o que estavam conversando. Então revesti-me de uma couraça de indiferença: tanto faz, foco no seu dia!, no que veio fazer aqui!, pensou-me um pensamento, deixando-me sem as ideias e sensações as quais eu tinha a respeito de qualquer coisa. As vozes me chegavam numa linguagem inacabada e sem sentido, restos do que se ouve e não entende, e não os vejo, esqueço deles. Deixo pelas mãos do destino, sem curiosidade nem afeto no coração, que a história escreva no dia o fim a que aquele episódio devia chegar.
Não conseguia olhar o mar com o olhar pacífico, sem que eu queira minha face retrancava, meus pensamentos se endureciam, se perdendo na espuma das ondas em fúria que se chocavam com as pedras. Seria efeito das pessoas circulando chamando pelo nome do garoto? Doze anos, pobrezinho, foi o que eu ouvira pelo sopro de um vento.
..."não queira ir além de onde acha de pode... foi o que aprendi". Eu queria passar uma ideia quando comecei esse texto, e já não me lembro qual era seu sentido central, perco-me quando lembro, a memória em mim é minha fatalidade, talvez por isso eu já não consiga escrever pensado, com uma ideia preparada, com uma regra sopre o lápis...
Enquanto fitava o mar, perdido em não sei em quê lugar no horizonte, vinha subindo quatro homens sobre as pedras, e olhando em minha direção, quatro homens que, pelos gestos, me perguntariam alguma coisa.
“Amigo, você não viu um garoto de shorts vermelho passando por aqui? e respondo que não, não sem constrangir-me no meu íntimo, com o balbuciar falso das minhas palavras e do rápido tropeço no que ia ou não falar, na inquietação que me causa a presença física de alguém, sinto isso enquanto eu os observava se retirando em busca do garoto perdido. E sinto agora porque lembro. Viver é um espaço onde cabe todos os tempos, li por aí nos pensamentos...
Havia já tempos que estava ali, e não vira nada, a não ser a visão perdida em outros sonhos que não estes desses transeuntes que agora tornaram-se-me parte dos meus pensamentos sonhados. Mas antes que a compaixão começasse a amolecer-me o coração de novo, imaginei muitas ideias em como eu descreveria a cena de uma mãe ajoelhada frente ao mar gritando desesperançada, pelo estrondo do mar que a apavorava, e pelo filho que se chamava "LEONARDO", ressoando ainda em mim fresco como uma fruta de verão. Mas assim que passaram por mim, o garoto aparece sorrindo, com cara de quem não tem culpa pelos xingos, recebido às chamadas morais dos homens de coração compadecidos, que o repreendiam com se estivessem descarregando um sofrimento, fazendo o garoto se reprimir pelos gestos que me expressava pelos seus olhos, retraídos pela culpa imaginária de seus próprios julgamentos. Sonhar é viver, porque o que se pensa se sente...
Logo tudo de normaliza. A mãe encontra o filho e se sente feliz de novo. O tempo toda certa - assim como eu - do destino do filho morto pela indiferença da água e de Deus. O tempo todo iludida, assim como eu, pelos sentimentos que nos envolviam. Sou deixado sozinho com a noite quase se insinuando, e fico sob um transe de ideias que se não encaixam, reflexões que se não completam por preguiça, ideias as quais eu queria ter passado neste escrito, mas por falta de cronologia e método, esqueci-me do que dizia. Esqueço...
No entanto, do que aconteceu no passado lembrado aqui ergo-me de sobre mim e coloco-me a coroa de saber sonhar sem ter ilusões, ainda que não sem sentir...
Pensar é sonhar. Viver é iludir-se..