[A perda]
A certa altura da caminhada, o amigo íntimo, o companheiro de sempre, o inseparável parceiro das brincadeiras de criança, das cavalgadas pelos campos, da descoberta dos prazeres, da excelsa benção do amor —, apartou - se de mim!
Este amigo tornou-se um doloroso obstáculo, um acento agudo de impossibilidades, contrapõe-se às minhas vontades, à realização de meus sonhos — enfim, tornou-se um diuturno antagonista!
Eu, fraco ante a perda daquele amigo de ainda ontem, estou vivo — tenho desejos, ímpetos, tenho sonho de amar novamente —, não se extinguiram o meu enlevo e a minha admiração ante o Belo que ora tem a forma de uma mulher, ora de uma inexplicável flor amarela, ora de um poema que eu lamento não ter escrito, ora de uma estrada nas montanhas...
Estranhamente preso a um corpo sem alma, eu não tenho encontrado armas para combater este antagonista formidável, este corpo determinado a cumprir os projetos que a Natureza lhe destinou! Minha Ciência me abandona, e até a Filosofia é um débil alento... resta essa pífia escrita que os tempos de agora tornaram mais fácil; falta-me, no entanto, o talento...
Resta um consolo — o sonho de lançar esse inimigo num fogaréu, lá bem ao fundo de um abismo da Serra do Mar. Que esse inimigo arda no inferno das chamas, e que o meu ser encontre a paz na extinção, no esquecimento — destino fatal das pessoas comuns.
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[Desterro, 25 de janeiro de 2017]