Alada

Com a porta aberta o ar circula livre pelo interior do carro. O dia permanece estagnado na ausência de chuva e excessivo calor convidativo a ações veraneas que não me apetecem. Vislumbro pessoas caminhando pelo parque, andam em círculos e imagino se conseguirei retornar para minha casa - minha verdadeira casa. Um sufoco que não é parte dos dias abafados, uma falta de ar contínua.

O sono se tornou dolorido para o corpo e pesado para a mente, dormindo em qualquer canto e de qualquer jeito desperto em mim um antigo torcicolo. Dores que não se vão de verdade permanecem adormecidas como velhos nervos inflamados, basta um movimento descuidado e BOOM vem à tona a avalanche do desconforto gerado pelo latejar, o incômodo de sofrer por pequenas coisas.

Pela janela do carro não é só ar fresco que cirucla, uma pequena borboleta entra e sobrevoa meu rosto graciosa, ingênua e alheia. Sempre gostei de borboletas, desde a infância, são agradáveis em suas asas multicoloridas e vidas fragéis, suas metamorfoses sofridas e o pouco tempo de vida que levam para morrer. Elas sempre gostaram de mim, pois, volta e meia uma aparece e se exibe perante meu rosto como se quisesse se fazer notada. Se fosse crédula diria que algum dos deuses mortos está tentando me enviar seus mensageiros para dizer que devo continuar caminhando.

Não caminhar como estas pessoas no parque em seus trajes esportivos. Não. Sei que devo pegar carona em uma dessas pequenas criaturas aladas que com frequência atrapalham minhas linhas de pensamento. Voltar ao meu lar, local de origem nos recônditos da mente. Lá poderei respirar novamente.

Fecho a porta do carro e ligo o motor que urra exausto da minha inquietação. Às vezes me sinto viva com lufadas de ar frio repentinas como estas quando o carro entra em movimento. Não me resta mais a energia dos 20 anos em revoltar-me contra tudo que leva ao nada... Há muito pouco para sonhar agora, minha boca traz gosto de cinzas que não conseguem mais reacender fagulhas. Limito-me a imaginar laranjeiras, macieiras, pôr-do-sol na montanha, verdes campos e cavalos alados.

A imaginação é o farol
que guia e ilumina os tenebrosos
caminhos dos enlouquecidos.      
Larissa Prado
Enviado por Larissa Prado em 28/01/2017
Reeditado em 28/01/2017
Código do texto: T5895490
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