INVENCIONICE

Acordei mais nostálgico que o usual.

Recordei minha infância, pedaços dela.

Lembrei como lamentava a sorte das galinhas no quintal.

Que coisa mais tola, ter pena de galinha, que já tem muita pena.

Este sentimento era aumentado em datas especiais.

Véspera de natal, carnaval, sete de setembro, festa de São Francisco

Ia ao quintal e via as galinhas indiferentes ao que ocorria no mundo fora do seu mundo.

Pensei: como é ruim ser galinha.

Não veste roupa nova, não ganha presente, não vai a festa, não....

Hoje penso diferente.

Não é de todo ruim ser galinha ou qualquer outro animal.

Há algumas vantagens, até.

Não têm sentimento.

Assim, estão imunes aos sofrimentos da alma.

Não sentem falta de alguém que gostariam próximo.

Não ficam triste.

Não têm preocupações.

Não têm obrigações a não ser aquelas já demarcadas no DNA.

Que as orientam na sobrevivência e reprodução.

Amanheci com inveja dos bichos.

Que não pensam.

Que não sentem.

Que não sofrem

Não gostaria de ser uma galinha.

Talvez um bicho mais garboso

Com certeza do sexo masculino.

Tentei, debalde, imaginar-me um animal insensível.

Tentei despojar-me de qualquer sentimento.

Do amor ao ódio.

Mas eles estão impregnados em mim.

Não se livra deles facilmente.

Esta é a carga que tenho que conduzir

O meu calvário.

O preço que pago por minha existência.

Chico Tavora
Enviado por Chico Tavora em 18/01/2017
Código do texto: T5886177
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