Plutão e as mortes sucessivas
O comando do inferno não é tarefa fácil. Para administrar esta parte tão importante do Universo tenho de ser disciplinado e firme. Para tanto, morro sucessivamente. Quando digo que morro significa que mato, o que não é homicídio, é carma, ou marketing, o poder dele, entenda...
Não pense que comandar uma legião de demônios seja tarefa simples. Isso exige uma energia que, na verdade, não tenho. Minha política então é o caos, e, por sua natureza, os anjos caídos tentam e assombram todos os cantos possíveis de humanidade.
Mantenho uma política de corrupção, pois é fácil. Ganham todos, e mais eu, pois sou velho e chefe, mas todos também têm prejuízo e por isso a gestão deste lugar de sofrimento continua, pois minha pátria de desordem é autossustentada: há sempre alguém mais esperto para passar a perna.
Ministro palestras “on the side” e falo inglês, pois para ser Satanás tem que correr atrás e manter o nome. Nestas palestras acabo dando dicas que realmente levam ao sucesso do mundo inferior. Obviamente falo de sucesso nos termos de traçar objetivos e metas, implementá-los e monitorá-los na profissão de ser um tipo de belzebu.
Com relação aos seres humanos, tenho o costume de usar o calendário ocidental e cristão (também conhecido como calendário comercial) na maior parte do mundo. Nosso modelo de negócios pode, resguardadas as devidas proporções, se assemelha ao modelo hollywoodiano de espetáculo.
Nesse sentido, quero dizer, contamos sempre uma história com começo, meio e final, com a intenção de “plot twists”, alguns ápices, “flahsbacks”, etc. De maneira geral, podemos resumir a operação como uma grande manobra de criação de desejos, expectativas, o inatingimento dos conteúdos relativos a tais desejos e expectativas, então, um processo ilusório de recuperação do trauma gerado neste entremeio, fortalecendo a fidelidade do cliente, com o que gosto de chamar de nosso “show biz”, para que assumam a ideia dos ciclos.
Vou usar um exemplo para ficar fácil de entender. As festas de final de ano dão ao cidadão mediano uma ideia de fechamento e novas oportunidades, mas perceba, ao alinharmos isso com a questão da perda de peso, e aqui está o exemplo, conseguimos ter bastante sucesso. Todos sabem, e apesar do politicamente correto, estar em forma é a lei, e para isso existem vários referenciais “fitness” por aí.
Perceba então que no objetivo dos principados e potestades que frequentam meus cursos, no geral, aqueles que estão sob meu comando, a ordem do dia é sempre criar uma relação de antagonismo entre o socialmente aceito e o efetivamente praticado, para que ao buscar o ideal, e não alcançá-lo – vale a pena mencionar aqui que a taxa de infelicidade da clientela é de 90% - o cliente se frustre, permaneça na mesma no resto do ano e, talvez, tente novamente no começo do próximo.
Continuando com o exemplo. O humano comemora, bebe, come, tudo com muito exagero, para depois começar um projeto verão, com exercícios e dietas, o qual nunca se estende nem mesmo durante a estação que faz parte de seu nome. Você vê aí como funciona nossa intervenção. Criamos a oportunidade de exagero e felicidade, para depois lançar a ideia de restrição e felicidade, para então atingirmos o ponto de frustração e não felicidade.
Como vocês bem sabem, é a partir da missão da empresa que procede seu slogan, e nada como nossa missão, tão bem representada por este exemplo, para introduzirmos este dizer tão significativo para mim e meus iguais “a felicidade nunca atingida”. Sempre reitero aos meus pupilos perversos que não se esqueçam de todos os processos e objetivos em jogo com cujos se deu origem a esta frase tão pertinente. Reforço também a ideia de que a natureza humana viciada torna as pessoas, não importa a peculiaridade do público-alvo, freguesia cativa.
Cheguei a mencionar antes a palavra ciclo e este é um outro “mindset” que tentamos incutir naqueles que usufruem de nossos serviços, sendo que a virada do ano tem bastante peso no reforço dessa noção.
De maneira simplificada, e volto a ideia do exagero, da restrição e frustração, tentamos aplicar em todas as áreas da vida de um indivíduo a forte presença da expectativa, produto com o qual trabalhamos para que se tenha um “outcome” sempre desfavorável. Não sendo este o caso, quando não conseguimos criar polaridade, portanto, torna-se impossível catapultar o usuário para uma próxima data comemorativa X (tendo sempre em mente o binômio expectativa-frustração), pois isso nos valemos dos vários eventos possíveis como é o caso do carnaval, páscoa, dia das mães, namorados, pais, de forma mais esparsa, certas obrigações sociais como viajar, ostentar pertencer ou realizar determinadas atividades, frequentar certos espaços, etc; temos uma ampla oferta de serviços e produtos adequados às sazonalidades.
Enfim, a intensidade com que trabalhamos em dilacerar emocionalmente uma pessoa, também tem um toque muito pessoal, não raramente, pois exige que a pressão social permaneça forte, mais tradicional, e se mudar, que mude para um tipo de corrente bem fatalista e falso-moralista que divide e amedronte aqueles que não a compreendem.
Nossos trabalhos, o trabalho do Hades como um corpo, é multinível e exige uma expertise que perpassa o “core” do abandono que é ser vivo, aludindo sempre a aparência de novidade, quando na verdade o tempo, central neste nosso jogo de ilusões, seja atenuado e disfarçado de sua identidade unidirecional, na maior parte das vezes, para criarmos uma dinâmica de busca-não alcança (risos). Esse bem poderia ser nosso novo slogan, caso queiramos reformar o “approach” com os espíritos colaboradores.