NÃO VOU PARA O CÉU

Quando eu morrer, não vou pro céu.

Sem escala, vou direto ao paraíso que é o lugar dos bobos. Lá esperto não entra, não entra porque para lá não se leva nada, nem mala nem listas dos melhores do ano. Espertos vão para o céu porque paraíso é outra coisa.

Paraíso é um lugar onde não se mora em casa, sobrado ou palácio, não se come sentado à mesa usando talher ou prato, no paraíso não existe ouro, prata ou cobre, só entram os bobos no paraíso.

O bobo gosta de andar descalço, comer manga sujando a boca e sentar na grama ao sabor do vento. Quando morrer não vou pro céu.

No céu tem azul demais, só azul e branco por toda parte.

As águas sempre limpas porque nelas não existem peixes e não tem peixe porque não existem plantas e não tem plantas porque não existe terra. Na terra sempre tem uma semente morrendo duma morte que alimenta outra vida, daí sempre ter verde no paraíso. E são tantos os tons de verde que o paraíso faz o céu ficar ainda mais feio e distante. Não vou para o céu, fico no paraíso depois de morto.

No céu animais não entram.

No paraíso vou encontrar o Leão, meu primeiro cachorro que morreu de velho.

No céu tem anjos de asas feitas de penas como as aves, os cães nunca verão as chaves dos portões do céu guardados por São Pedro. Os anjos são tristes porque não sabem o que são, nem homens nem pássaros. No paraíso não existem portas, janelas ou portões. Não existe nenhum muro no paraíso. Eu sou como os cães que gostam de correr em campos abertos. No céu deve ter até computador. Não, não e não. Quando morrer eu fico é no paraíso com os cães que são o próximo do lobo e do bobo.

O bobo não pensa, o bobo é.

O bobo não é esperto, o esperto pensa que é.

O esperto tem o céu por herança e a eternidade como recompensa.

Dessa vida o bobo não leva nada, não leva nada porque não precisa.

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Baltazar Gonçalves