Ganido

Pedi que parasse. Como um cão ganindo nervoso e eu só quero que pare. Esqueça tudo e volte para o mundo, eles disseram, mas o mundo estava repleto do que eu não queria. No dia anterior, eu havia enchido meu corpo e meu copo com o desejo que tanto ensaiei. Lúgubre. Vadia. Escrava. Esvaziei-me de uma intensidade tão devassa, que perdeu o sentido para mim. O cotidiano que tanto me agrada me voltou como tédio, e eu parei, como o cachorro ganindo, fazendo ecoar um silêncio abrupto no tempo que sopra por entre nós. Perder o amor não fez sentido nenhum. Tampouco o fez ganhar outros amores. Na maturidade, dar forma ao mundo distorceu tudo enfim. Nasci deformada, riscada por delírios e cansaço. Ordenei os desejos e pus um fim à teimosia, convencendo-a do óbvio. Passeei por todos os desejos dos homens e me despi, de vestes e vergonhas, transigi ao tempo das coisas e suguei tudo o que pude, sendo sugada por fim. O beijo, o tapa, o vinho. A brasa. A paixão se consumiu em seu tempo de cinzas, esperando nos dias uma lacuna, um chamado, um sim. A pele que não atritou a tempo. A dor que não foi abraçada. O prazer que não explodiu. Um silêncio insolente e nervoso, enjaulado na minha confusão. Eu o alimento como a um animal faminto mas guloso, que há de morrer pela boca, como secura que esgarça se regada em demasia. O tempo foi minha demasia. E foi tanto, que pedi que parasse, como o cãozinho ganindo, como o amor, que parou de ganir em mim.

Fernanda Gadêlha
Enviado por Fernanda Gadêlha em 12/12/2016
Reeditado em 12/12/2016
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