[Ensaio Sobre a Loucura de Viver]

[Seqüelas de viver - há... e não há!]

Se eu morresse esta noite, com certeza,

eu apenas morreria, apenas eu, eu...

Arrogante eu sou, sei-me bem;

mas não sou besta a ponto

de supor vigências minhas para o depois!

Antes de mim, tudo — amplas avenidas

de possibilidades à frente —!

Depois de mim, nada, becos estreitos —

apagou-se a minha lâmpada!

Depois de mim, isto é, depois de minha ida,

o mundo continuará tal e qual,

mutante, doido, girante, hiante — fascinante!

Fui-me, mas ninguém percebeu a faísca dos meus olhos,

que acabou de se apagar, extinta — para sempre!

Minhas visões até que não eram poucas:

vim ao mundo numa certa época amarelada,

chovia fino sob o telhado da casa onde eu dormia,

cavalos trotavam nas antigas noites sem fim de Minas,

a estrada para a serraria era longa, poeirenta,

as cercas caídas, os mourões queimados de fogo;

as boiadas entravam pelas beiradas da cidade,

as facas para o corte eram afiadas lentamente,

o poente do sol sangrava na tapiocanga da estrada...

Ao tanto, urubus voavam alto, bem alto... eles adivinhavam o quê?

Eu queria, eu sonhava que podia voar... eu até tinha asas,

enquanto empurrava a minha carrocinha de jabuticabas.

A vida prometia, mas não dava tréguas,

os circos iam embora com os sonhos, e o mundo girava,

estradas não havia, só poeira, distância, e trens para o mundo;

eu tomava Vibramicina para curar gonorréia,

e o meu tio bebia garrafada pra doença recolhida.

Eu sonhava: via-me disparando o gatilho de uma explosão nuclear;

Deus, eu pensava, habitava os escuros dos núcleos dos átomos!

desde então, eu sonhava mistérios de madre-de-galinha;

eu só queria rachar os átomos, queria ver Deus

saindo de lá, limpando a barba, e falando em mineiro:

— "ô diacho de moleque cientista endiabrado, siô,

arreda peste, dá sossego, trem ruim!"

Sem querer, eu cresci — viajei, Minas ficou longe!

Estudei muito, até deixei de estar com belas mulheres,

fui mestre de grande máquina estrangeira,

e o sonho eu cumpri: rachei os núcleos dos átomos,

mas, para minha frustração, Deus não compareceu

à festa da minha arrogância não... e devia de?!

Ínfima época, a época em que vivi,

mas valeu-me muito, muito, tudo o que vi,

vi o mundo dos homens se transformar,

vi transtornarem-se os sentidos fixados;

vi a revolução de máquinas e homens

Como nunca antes, em tempo algum!

[Quantos antes de mim disseram a mesma coisa?]

Eu vim, sim, de Minas eu vim... ou venho vindo, nem sei;

pois a vida até nem me pertence de fato,

é um brinquedo emprestado... por uns tempos!

Mutante, doido, girante, hiante — fascinante,

continua o mundo rumo à estrela Vega da constelação da Lira!

[... eu nem disse nada; miolo de pote — foi só o que eu falei!]