Desfecho

O grande barco saiu do porto em direção ao mar. Eu fiquei a ver aquele movimento lento depois de muito me debater, fracassando em todas as minhas tentativas de nado. Voltei para a areia e chorei sentada, envolvendo minhas pernas, sentindo a mais absoluta solidão. Eu chorei porque me senti abandonada, desimportante. Agora todos os lugares que eu ocupava naquele vagão ficaram vazios subitamente. Eu não era mais ninguém naquela tripulação. Esse pensamento me flagelava, desmontava meu ego, pedaço por pedaço. Deixei nos corredores, meu cheiro, nas poltronas da sala de lazer, o meu calor. Meus cabelos ficaram acumulados no ralo do banheiro de uma suíte muito aconchegante que habitei sozinha por quase trezentos e sessenta e cinco dias. Fiz questão de me fazer presente, mesmo que num espectro. Em poucos momentos, todos estes lugares seriam higienizados e as paredes sequer se recordariam de quantas vezes me apoiei nelas para que não caísse, não levasse a ato público minha decadência. De repente a cabine em que eu me sentava e punha a ler muitas histórias tristes estava prestes a ser tomada por outras existências e perfumes e quenturas. Eu chorei porque me senti o mais funesto ser em toda a Terra – afinal de contas, não havia sido escolha minha ficar a ver aquele barco grande e lento se movendo sobre as águas até sumir. Analisei, entre lamentações, a linha do horizonte que dividia as partes que minha vista alcançava das que eu jamais conheceria. Eu ficaria aqui por mais trezentos e sessenta dias se preciso fosse, pensei. Notei que sentia um emergente desespero vindo de minha angústia, de minha tristeza que me arrastava para a morte. Passei as mãos pelos cortes em meus pés e respirei com certo alívio. Estou suja, ferida e sozinha. Mas eu sei esperar também. Esperar contorcida num banheiro escuro em que caminham baratas por cima de mim. Esperar, silenciosa, com as mãos no fogo, olhando cada tendão ser carcomido lentamente. Eu sei esperar mesmo que por um presságio vindo em minha direção, trazido pelo mar, dentro de uma garrafa antiga. Uma oferenda mal sucedida que retorna envolta em fúria. Eu sei dar a face para apanhar e sei catar meus cacos muito bem. Não vou desaparecer. Sei ser invisível e ficar. Sei partir. Sei de muitas coisas e sei que viver é frequentemente sentir um imensurável desprestígio, um vazio no peito.

Taíse Dourado
Enviado por Taíse Dourado em 09/12/2016
Código do texto: T5848141
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