É na morte que se acha a vida

Observando as nuvens passando silenciosas no céu lembrei-me dos homens como se fosse num sonho, e suas vidas que carregam pesada como ter os pés sufocados por sapatos apertados. Era essa a sensação. As nuvens simbolizaram para mim hoje uma terrível e linda visão: sentado em silêncio ao observar as nuvens passando, num sussurro escutei das nuvens falar o coração: Observa-nos daí, homem, solitário e distante, e alçando vôo nos mais longínquos pensamentos imagina ser mais superior a nós que simplesmente estamos passando?

O que sucede a mim também sucede a você. Tua ignorância é proporcional ao seu nível de medo, e sua santa felicidade é o prazer que carrega como uma cruz até ao calvário.

O tempo é o mesmo dentro de cada ser, o instante em que deixo de existir não está mais longe deste instante, nem mesmo o presente chegou a ser um dia. Quanta verdade há de suportar ainda a espécie humana!

O mesmo tempo que passa para mim também passa para você. Há de chegar o seu dia de perceber, e verás que assim como vagamos errantes para lugar nenhum neste imenso vazio, e desmanchando-nos no ar sem sentido algum, também assim é sua vida que passa como uma bolha de sabão. Num instante. A dimensão disso está além de pensar do homem.

A ferida eterna, a culpa, a maior dor que sufoca a vida com mãos de um assassino, ainda assombra os corações dos homens. Apenas quando cessar de doer neles o que lhes causa excesso de memória, vosso eu, vossos anseios e inseguranças, a vida e a morte juntas florescerão como a primavera. Pois não há tempo em que nascemos nem que morremos, já que nascemos eternamente mortos.

Nos foi revelado que só permanece na memória aquilo que não cessa de causar dor. O fardo de tua vida é vosso medo de si mesmo.

Eu sei que pesa a vida que carrega no ombro, e que quando olhas para o céu deseja ser leve como nós. Eu sei que todos um dia desejarão no silêncio dos sentimentos. Mas se tu soubesses o peso que carregamos por sermos tão leves, que só somos leves porque sabemos esquecer. Imagine, nós!, que desaparecemos em instantes, o que seria de nós se

não soubéssemos esquecer? Que terror seria relembrar, que horror seria sermos nós mesmos! Nem Sísifo trocaria de vida com nós.

Chorei em silêncio junto ao meu coração, chorei uma tristeza imensurável que não cabia no coração, e como tirar os pés de um sapato apertado toda minha vida aliviou-se, e disse das nuvens o coração:

A verdade é boa e leve quanto mais pesada for, pois a verdade vivida num só instante te mostrará a linha do passado que se encontra do futuro pro presente, e pelo olho que tudo vê eterno despertará pela primeira vez para a consciência da morte, que na essência da matéria, da inorgânica para a orgânica, vida e morte nascem e morrem juntas.

"É na morte que se acha a vida. É na vida que se vive a morte"

Fiódor
Enviado por Fiódor em 15/11/2016
Reeditado em 15/11/2016
Código do texto: T5823852
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