A GEMA IMPERFEITA
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Sou como uma rocha...
Se me esculpir a mais bela forma, torno-a perfeita. E, ainda que contido nela, permaneço irresoluto e absolutamente frio. Nada distingue-me de Michelangelo, apenas as mãos quentes de quem me fez de mãos frias - inanimadas e imóveis.
Sou como uma rocha, posso esperar inexorável a ruína de tudo. Sem vida e em perfeito estado, como todo objeto é, na realização de não ser mais que produto sem sentido próprio. E que chora o suor do tempo, sem vontade alguma ou sentimento, a erosão de toda a parte que simula a carne e não faz doer parte alguma.
Sou como todas as rochas, parecido com todas, e talvez mais sólido do que estas. Sou a rocha que mente ser rocha, e que chora como rocha que é.
Sou e não penso, não quero e não imagino querer. Se a forma que me deram não agrada serei destruído. Mas é certo que, antes, serei rocha, e depois nada serei. Sem qualquer ambição, desejo ou gula, conforme a concretude vazia que me cabe.
Então por que tenho tanto medo? Por que amaldiçoo quem me criou? Sou rocha escrita, que chora, que murmura e desdiz! Calhau de nome próprio, de corpo e de nada. O que há em mim que não seja crueza, resistência e ignorância?
Fizeram-me à forma doutro ser, do corpo de outro minério. De falsos motivos e da fíctil sensação de ser mais do que uma rocha. Sou a pedra de que fala o filósofo, do caminho e do sapato. O material pouco prático que assume a forma do molde; que resseca, que afunda, esfarela e estraga.
Acesa, viva, e endurecida; invariavelmente idêntico a uma rocha, mas outro. Sou a rocha coronária. Inválida, perpétua e mentirosa.
Hernán I de Ariscadian - A Gema Imperfeita.