Caçadores de Sonhos

Francisco Labareda (1)


Nos confins do sertão, num lugar envolvente adornado pelo sonoro cantar da Acauã, onde os olhos só alcançavam o verde do mandacaru, juazeiro, calango e dos papagaios voando no alto, numa tosca choça onde na janelinha uma roseira se mostrava indicando a presença do amor, morava Francisco Labareda, que das boas virtudes era feitor. A casinha era tão singela que mais parecia morada de João-de-Barro. Tão simples que as pessoas não percebiam quando pelo caminho passavam.

A vida de Labareda havia se agravado em razão do seu patrão, Caetano Guimarães não haver comprado a palha de carnaúba colhida em suas terras por Labareda, sua companheira Maria Aparecida e o amigo José Tição que trabalhavam dividindo a produção com o dono da terra que pagava um preço irrisório tornando Labareda constante devedor em virtude de Caetano em seu armazém fornecer mantimentos por um preço escravizante, e assim, sofria Labareda, Aparecida e Tição. Por certo Caetano não era homem de bom coração.

- Nada mais temos para comer, acabou a farinha, só nos resta uma rapadura e um tiquinho de feijão e a cachaça se foi. Então o que faremos? - Não se avexe, darei um jeito nessa situação, disse Labareda. Você é quem sabe, meu velho, respondeu Aparecida.  Labareda convidou Tição e logo saíram à caça de roedores, pequenos Preás que vivem nas montanhas e sobrevivem comendo calangos e pequenos insetos. Em suas moradas também o caçador encontrou raízes de xique-xique que cozido tem alguma nutrição, inibe a fome e a dor no coração. - Vá mesmo, porque hoje acabou nosso alimento e também a água, informou Aparecida com grande sofreguidão. - Ainda tenho três cartuchos na minha Lazarina, darei três tiros e três preás cairão ao chão, e quem sabe acertarei um bicho maior, informou de antemão. Subiremos a serra das onças por precisão, disse Labareda a Tição. Labareda falou mirando a sua amada mulher, que mesmo macérrima tinha nos seus olhos verdes a esperança e um doce e meigo olhar, trazendo à sombra à claridade no seu fúlgido sentimento.

Serra das onças era um lugar que num distante passado foi morada de onça, mas isso aconteceu quando Labareda nem havia nascido. Naquele instante era lugar pobre onde só existia caça na imaginação fértil de Labareda e Tição. Querendo enganar a fome eles imaginavam fartura em profusão. Assim, esses sonhadores viviam felizes e alegres caçando sonhos acreditando serem capazes de vencer os desafios que a vida lhes impunha.

Subiram a montanha e entre lajeados, em silêncio aguardavam a caça ouvindo pequenos insetos mexerem nas folhas secas e galhos retorcidos da noite. O vento sussurrava quais segredos revelados e o céu mostrava seu esplendor. Os caçadores de sonhos estavam num platô no alto da montanha e o cenário era de rara beleza, com o céu atapetado de estrelas, estava claro qual um dia ensolarado, eles se embasbacaram diante da manifestação da Natureza, e sentindo um clarão de luz dentro de si, Tição exclamou: - Não existe beleza maior do que a lua beijando a montanha e nós sentindo seu resplendor.

Deu meia noite, madrugada e o dia amanheceu numa manhã sorridente com o Sol dourando a montanha. Não conseguiram nenhuma caça e a fome apertou. Era manhã e Labareda procurando uma maneira de adquirir algum alimento, teve uma ideia: - Fingiremos que lutamos com uma onça a qual covardemente fugiu quando a segurei pelas ventas, mas não conseguindo contê-la por estar fraco e com fome, das minhas mãos se libertou. Então, sensibilizaremos Caetano a nos vender fiado alguma coisa para sanar nossa precisão. Proporemos voltar a montanha, matar a onça e com o dinheiro do couro pagar a dívida, disse Labareda. – É! Mas, a onça não existe, se não pagarmos a dívida seremos mortos. É perigoso, no entanto não vejo outra saída, concordou Tição.

Contaram o acontecido ao patrão. O homem concordou em vender algum alimento desde que no dia seguinte estivessem lá com o couro da onça no balcão. Compraram feijão, farinha, rapadura, sal, cachaça e foram em socorro de Aparecida que não comia pelo menos uma jacuba há dois dias e eles também nenhuma refeição. Após o repasto deitaram sob um Juazeiro, única arvore verde em toda a região e comentaram: - E agora Tição! O que faremos? - Contaremos outra mentira para nos tirar dessa aflição, afirmou Tição.

Logicamente seria perigoso contar outra mentira, mas tiveram uma ideia, não seria certo, mas foi a única que puderam imaginar. Contaram ao Caetano que caçando a onça encontraram um sujeito conhecido pela alcunha de ‘Faz Tudo’, um pistoleiro conhecido na região por suas perversidades, ele nem mais se lembrava do tanto de homens que mandou para o outro mundo.- Sim, seu Caetano, ‘Faz Tudo’ matou nossa onça e ainda mandou um recado para o senhor: - Digam ao Caetano que matei a onça, e o matarei também se reclamar. Esse é o recado que ele mandou e ainda estava sarcasticamente sorrindo da sua cara quando recebesse o recado. Enfurecido, Caetano ficou do jeito que Labareda queria, e após pensar por um bom tempo, em poucas palavras disse: – Vocês dois criaram essa confusão, portanto a resolverão.

A partir de agora vocês dois são meus homens de confiança, e a primeira missão será dar cabo daquele ladrão, e se não cumprirem minha ordem eu, pessoalmente e, prazerosamente darei fim em vocês dois. Agora saiam da minha frente e só voltem trazendo a cabeça desse bandido, afirmou o enraivecido homem. Mas, eu continuo querendo a onça conforme combinamos, vocês me devem e terão que pagar, portanto mostrem trabalho, se não a vida de vocês não valerá um tostão. - Tição! Não se avexe não, eu tenho os três cartuchos na Lazarina, quando eu ver o homem, é só apertar o gatilho! - Não seja doido, não temos a menor chance de enfrentar o Faz Tudo, e não esqueça que nem o ‘Faz Tudo’ nós vimos! Esqueceu que é uma mentira - Acho que essa foi a última mentira que contamos, tadinha da minha mulher, ficará viúva tão cedo. Só Deus pode nos salvar!!! Pagaremos com a vida a mentira contada ao patrão. - Ouvindo você falar em Deus, tive uma ideia, lembrei-me que Deus tem um representante na terra. Vamos visitar o padre João de Deus e dele pedir socorro e perdão, somente ele pode nos salvar dessa aflição, disse Labareda.

Encurtando distâncias por veredas ou pela Caatinga infestada de tocos, gravetos ressequidos carcaças de animais e cobras cascavéis, chegaram a Igrejinha e contaram a história ao bondoso Padre João. Pacientemente o Padre escutou Labareda com seus lamentos e prometeu falar com Caetano, mas nada garantiu dizendo: - Verei o que posso fazer. Embora Caetano seja de coração duro, ainda teme a excomunhão. Peguem suas coisas e fujam para um distante sertão, de preferência para o Amazonas que fica bem distante, de lá me escrevam, disse o bom Padre.

No alto, o Sol dourava o infinito céu vermelho qual uma manzorra de fogo, mostrando que tão cedo não choveria naquele inóspito sertão habitado por viageiros sonhadores do tempo. Pela estrada empoeirada três retirantes com matulões às costa e alpercatas nos pés caminhavam vestindo o manto sagrado do amor, arco-íris da vida. Tinham os olhos regados de sonhos e o coração de amor, felizes e alegres fugiam do nada em busca do imaginário. Talvez a Amazônia fosse o sonho dos retirantes em procissão.

 
Antonio de Albuquerque
Enviado por Antonio de Albuquerque em 04/11/2016
Reeditado em 20/03/2019
Código do texto: T5813326
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.