mutante
Minha vida assumiu tantas formas,
e assim fui me constituindo no que sou;
E a cada momento propriedades diferentes adquiri;
num dia me sentia forte como aço,
noutro dia frágil prestes a se romper como um laço,
noutro estava duro como um diamante,
ou brilhante como um quasar,
outras vezes estava elástico como uma borracha,
ou efêmero como um palpite,
às vezes um sólido solúvel,
ou flexível como um algodão doce,
e ainda cristalino como uma fonte;
Houve momentos que estive obscuro como a lama turva que escorre para as águas do Rio Doce;
Também assumi características amorfas;
Nesses dias ascendia velas e observava a chama derreter a parafina e a fumaça desenhar formas variadas;
A vela acalmava meus ânimos que são fluidos e olhava para o o teto tomado pelo mofo;
Os complexos circuitos neurais por onde estão retidas as informações sobre mim permitem refletir sobre minha condição atual e futura;
Às vezes penso em meu corpo e fico a imaginar como seria estar numa cidade envolto em sedimentos,
com meu peito descarnado,
a boca e o cérebro e todos os meus orificios ocos,
o coração sem bater, olhos sem brilho, pele amarelada e rija;
sem consciência- em estado bruto,
enterrado nos confins de um lugar sombrio e desconhecido;
Confesso-lhe: já habitei tantos lugares, tantos tetos me abrigaram, tetos de zinco, de argila, amianto, cimento, lona, palha, estrelas, sóis a pino, poeira, vento, sombra de árvores,
já me cobri com colchas de retalho, de veludo, lençóis de algodão, de lã, seda da China,
Sempre dormi agarrado a uma almofada, qual náufrago agarra um graveto, ela era a garantia de estar entre o sono, o sonho e a vida e também era uma espécie de divã;
Agora a terra nua ameaça me cobrir eternamente e a tornar pó toda à matéria de que sou constituído e que é parte das galáxias e de todo o universo aparente;
Quando sucumbir de vez, tenho certeza de que ficará para a eternidade somente a memória de meus ossos fossilizados e as lembranças esfumaçadas que um dia alguém terá de mim.·.