Eu & Esteban
carregando esse saco
pesado pra caralho
a caminho do trabalho
num sábado.
me desculpe por essas rimas — não foram propositais — e pela
disposição e escolha
das palavras, que podia ser melhor, e pela
fome na África,
e pela violência contra mulheres e crianças,
e porque você ainda dorme na garagem da casa da sua mãe,
mas eu não vou mudar, ou melhor,
tirar,
uma porra de vírgula.
se está achando ruim,
já sabe:
pode ir comer merda de cavalo ou
meter a língua na racha da sua irmã.
aliás,
me desculpe merda nenhuma.
bem, mas arrastando esse saco
debaixo do sol,
de mochila nas costas e fones de ouvido, esperando alguém furar a minha
barriga e levar
tudo o que eu tenho numa dessas esquinas
aqui do centro de São Paulo...
talvez
algum filho da puta que pule feito
algum filho da puta de um tigre de trás de um monte de lixo,
ou de trás daquela fonte em frente à estação de metrô São Bento — aquela
onde os mendigos cagam —
algo do tipo...
porque, éééééé, Cristiane Torloni,
hoje é dia de Rock, bebê,
e eu
tenho aqui dentro do bolso algo guardado para ele.
certa vez me meti numa briga de canivetes com um outro idiota;
não lembro onde foi, não lembro quem estava comigo,
não lembro se era meu aniversário
ou
a festa de confraternização do sindicato dos limpadores de carpete,
e nem parece que foi nessa vida,
mas
adivinhe quem ganhou?
você sabe: “sorte na escrita, azar na briga”.
é, eu acabei de inventar essa agora. e nem é tão boa assim. deve
ter algo a ver com a escolha das palavras ou
a disposição de alguma
bosta —
e, meu bem, se você estiver achando ruim, já sabe que pode ir até a esquina
dar
meia hora de rabo.
hoje o dia promete; estou com dor de barriga e um dos
funcionários da loja onde trabalho está de férias,
enquanto que o outro comprou um barco e uma garrafa de uísque e
saiu no mar e
nunca mais foi visto...
provavelmente o cara mais inteligente que eu conheci na minha vida toda.
hoje só vai ter eu para segurar a bronca; eu e a minha
dor de barriga, e
os meus dentes precisando de tratamento de canal, e
minhas tonturas e enxaquecas e dor crônica no pescoço, e
minha bunda cabeluda que coço quando acordo,
e meia dúzia de pessoas
que moram na puta que as pariu, que
me mandam e-mails dizendo que
admiram o que eu escrevo e que gostariam de tomar uns drinques comigo,
que deram o meu nome para os seus frangos, porcos, coelhos, cágados,
peixinhos e
caranguejos de estimação.
eu compreendo o que as motiva.
elas se surpreendem quando eu respondo os e-mails.
eu também me surpreenderia.
certo...
mas num sábado,
a caminho do trabalho,
carregando esse saco
pesado pra caralho...
dentro dele tem roupas, sapatos
e até um frasco de perfume vencido; tudo isso eu entregarei nas mãos do
mendigo mais fodido que
eu encontrar dando sopa pelo caminho —
não é exatamente caridade; é mais
como
preferir dar pra alguém do que jogar no lixo.
a cerveja do dia anterior reverbera por todo o meu
corpo — até pernas e lóbulos da orelha — e quer
virar vômito...
começo a suar frio junto com o suor quente.
o meu suor tem cheiro de borracha queimada.
solto um peido e borro a calça.
porra, e eu só queria cama, ventilador e um tiro na cabeça...
só mais um dia perfeito.
só mais um dia que não dá a mínima para a poesia.
assim com eu e
Esteban,
o meu caramujo de estimação.
Gilberto Sakurai “O Maldito Escritor” 2012
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