Estilhaçada
De volta aos velhos hábitos, notou como é engraçado o vazio das coisas. Nada faz sentido, nada parece normal.
Há amor e saudades transbordando dos olhos, há calcinhas e camisetas deixadas de lado por muito tempo, há cigarros esquecidos no cinzeiro e há lembranças.
Lembranças do que não foi, de uma vida plena que não viveu, de coisas que não fez e fatos que não aconteceram.
A única coisa que faz sentido é a dor de perder o que mais amou em toda a sua existência.
Mas como se perde algo que nunca se chegou a ter?
Ahhh a realidade é tão cruel! Como é difícil imaginar e sonhar a vida toda com algo que existe, mas que jamais será para ela... Apenas uma vida de verdade, plena, não a sua sobrevida.
Cansada de sobreviver, entrega-se a Morpheu, acreditando que poderá sair de si e permanecer tempo o bastante para conseguir não voltar, mas não acontece; ela sempre acorda.
Faz planos e mais planos, traça rotas de fuga e todas elas a levam para o mesmo lugar: um lugar que jamais será dela.
Se gritar quebrasse as barraeiras da dor, nunca se calaria e o som ecoaria tão alto que os que o ouvissem poderiam sentir o que ela sente.
Sente-se transparente, como se não a enxergassem.
Apenas uma vidraça no caminho das pessoas, um pouco embaçada talvez, que faz com que se desviem para que não se quebre.
Na verdade, tudo o que ela gostaria era ser estilhaçada por fora, já que por dentro, restam apenas os cacos.