O GAÚCHO DEDILHA O PÓLEN

A música do Pago sobrenada em minhas veias. Ancestralidade de bombachas, cinturão-guaiaca, botas, chapéu de aba larga, lenço colorado “que nem boca de sangria”. O mugido da tropa percute dentro de mim. Um pala de lã acalenta os últimos frios da estação. Ao menos não há aquela costumeira chuva a enlamear os pés. O pólen das flores inunda o ar e há pássaros chilreando nas árvores de galhos secos pela invernia. Ao rés do chão, entre orvalhos e folhas verdinhas, nascem matizes sobre o tapete de vida floral. Cada flor é um respiro de esperança para quem ama por estar só e entregue a sua saga simples de viver. Lacaio e tímido, o sol espia no horizonte. Nele está homiziado o calor que vai fomentar as retinas durante os três meses próximos. E já começam a ser urdidos os mimos natalícios para tentar saciar e fazer a louvação dos afetos. Miguel Arcanjo, guardião, deita a espada ao chão e abraça a sua guitarra. Hosanas ao dia seguinte, enquanto tropeamos os sonhos – irremediável e silenciosamente – para a outra margem...

– Do livro A BABA DAS VIVÊNCIAS, 1978/ 2016.

http://www.recantodasletras.com.br/prosapoetica/5766673