Fome
D'us, ó D'us que é história
Incontestável?
D'us que é santo sendo gente
D'us que eu aprendi na infância
D'us que vislumbrei de longe!
Estando perto de falecer fatigada
Desfalece-me a flora, a fauna, o fogo
Faz-se a falta no silêncio
Fica o falante fleumático
Frágil, feroz, fraudável...
D'us, ó D'us fraudatório
Por que findar-nos
Em teu fazer maiúsculo fantástico?
Como falar-te?
Sou feia, falsa, frascária, fratricida
Mas fiel freguês.
Quiça não me fizesse flébil
Tua função fértil
Que me finalizá em disforia!
D'us, ó D'us paixão
Grande! Divino!
Convenção ou alegria?
D'us, onde estavas tu,
Ó homem ou D'us?
Na noite fria e só
Queria mais um colo do que um milagre
Ficaria mais feliz e satisfeita
Com uma visita do que com uma oração
A minha fala de agora
É só a verdade que suponho
Cuspo nas mentiras universais
Cuspo na freira
Cuspo no frei
Cuspo nos homens
Cuspo nas mulheres
Nos héteros e também nos homossexuais
Não cuspo no prato que comi
Porque ainda estou com fome!
Olho os passarinhos
E continuo com fome fatal
Faltou-me a fé?
Delira-me a
febre?
Cuspo na igreja
Fina estampa fraudulenta dos falsários que conheço!
Fico apenas com D'us!
Não o deus que aprendi na infância
Distante, gigante, perfeito, feroz
Fico com aquele D'us
Que é D'us das gentes
Que anda nas ruas
Conversa com bêbados crentes
Conhece putas
E que mesmo no meio das gentes "sujas"
Sendo ele tão Gente quanto é deus
Sendo mais D'us na hora que é gente
E sendo gente
Só porque é D'us!
E que mesmo no meio das gentes das ruas
Que já não são gentes sujas
Que não são deuses
São só gentes!
E mesmo no meio de nós
Entre nós
E como nós
É D'us, apenas D'us!
Fico com D'us
E cuspo nos frades
Porque frades fazem-se deuses
E D'us fez-se apenas gente
Porque frades falam um frasear falsidade
E D'us silencia-se verdade
Caminho e vida!
D'us, ó D'us amor!
Onde estavas tu?
Andando por entre gentes?