DEPOIS DO ADEUS

Sentado na velha cadeira de balanço da varanda ele lia os últimos capítulos do seu exemplar de Goethe. Algumas páginas amareladas revelavam o tempo em que aquele livro o acompanhara, foram algumas leituras ao longo dos anos, e aquela era mais uma delas. Naquele dia havia uma brisa gelada vinda do norte, o inverno se aproximava, então entre uma linha e outra ele se esquentava com uma xícara de chá quente.

Virou mais uma página, leu algumas linhas e parou por alguns instantes, fechou os olhos, respirou fundo e tornou a abri-los, leu novamente: “[...] bateu meia-noite. Assim seja, então! ... Carlota, Carlota! Adeus, adeus! [...]”. Era o desfecho de Werther, o romântico Werther, que em mais uma leitura morria de corpo e alma por amor! Nunca entendeu porque aquele livro fazia tanto sucesso com Rose; foram 45 anos idolatrando aquela obra, Rose sempre dizia que a morte era só um detalhe para quem amava, mas há seis anos quando o luto chegou essa frase – que não passava de um idealismo romântico para ele – era agora um vitupério, uma forma grotesca e pungente de cultivar a ilusão do reencontro; para ele a morte era o fim! O fim de quem se foi, e o fim de quem ficou cujo coração bate apenas fisicamente, e alimenta-se sem prazer, sem paladar; respira-se apenas até que se cumpra o ciclo da vida humana. Ah, tola Rose! Tola Rose! Pensou em como a morte seria apenas um detalhe no amor? Quão egoísta isto não é para quem se vai, enquanto que para os que ficam sobram dolorosas lembranças e um chá solitário às tardes infindáveis. Lembrou-se de Carlota, de como cultivaria em si a dor pela perda de Werther, o egocêntrico suicida.

Um bafejo soprou com mais intensidade, aproveitou para tomar mais um gole de chá - que não estava mais tão quente como antes - descansou a xícara na mesinha à direita e novamente apanhou o livro, mas desta vez, antes de tornar a lê-lo, aproximou-o junto às narinas e sentiu um aroma doce e brando que lembrava aquele verão em Holanda, quando ele e Rose passearam por Keukenhof e puderam tocar nas tulipas azuis, as preferidas de Rose. Ah que saudades Rose, minha Rosa!

O som de uma voz delicada e harmoniosa acompanhada pelo piano em algum lugar da casa ecoava até a varanda. As notas e a letra eram bem familiares; Rose amava Beatles. Uma paz incrível havia chegado de repente, os pensamentos foram se acalmando, ele ajustou a cabeça no encosto da cadeira, e bem baixinho começou a seguir a melodia: “I’ll be there, and everywhere... here, there and everywhere”. Talvez a morte exista apenas àqueles que se prendem no tempo castigado pelos ponteiros do relógio, quem sabe àqueles afortunados no amor a eternidade está nos pequenos momentos e na memória? Rose ainda vive, concluiu.