Esmola, dar ou não dar?
(Opinião poética sobre o tema "Esmola, dar ou não dar?", lançado através do poema "Ohos Líquidos", de Henrique Mendes)
Década de 60. Menino ainda, de sonhos cheio, eu chegava uma selva de pedra chamada Rio de Janeiro... Neurótico e angustiado, era, entretanto, um exegeta, ignorante das fraquezas da alma. E não sabia também que a nossa vida não passa de uma simples roleta: dias, meses e anos, ela vai e vem, vai e vem...
Assim, apesar de uma infância pobre e triste, eu encarava com muita severidade, dedo em riste, o ato de pedir! E como quem com nojo socorre um leproso, uma mísera moedinha em mão estendida, eu lançava, pensando que, como quem não come morre, eu “até” podia dar esmola, mas se fosse para comprar comida!...
Ano de 1973. Jogado na sarjeta da vida, em Fortaleza, vida e alma estraçalhadas pela extrema crueza de uma avassaladora dependência química, eu sorvia pura angústia em insanos goles, sem sonhos, sem mais nada, pois, inebriado pelos vapores do álcool e da loucura, afundava-me no peso da minha desgraça engarrafada!...
Numa manhã, na Praia do Farol, depois de louca noite de embriaguez, acordei na praia, só com a roupa do corpo, sem documentos, sem dinheiro, mas somente dominado pela compulsão desesperada de tomar o primeiro gole. Meu Deus, como era tão premente aquela ânsia! Eu precisava de novo me embriagar!...
Entrei num boteco, trôpego, mãos trêmulas, semblante desfigurado pela compulsão, e, com voz hesitante, falei para o dono do bar: “Amigo, sei que não me conhece, não tenho um só centavo no bolso, mas preciso de um gole! Por favor, pode me dar um copo de cachaça?”
O debochado sujeito, com um sorriso galhofeiro,respondeu: “Nada feito, cara, aqui só a dinheiro!” Invadiu-me um desespero imenso, ao receber a humilhante recusa. Precisava tanto daquele trago!... Abatido, já ia retirar-me quando ouvi um rapaz dizer: “Cara, dê uma garrafa para ele. Eu pago”!
Minha vida, que já deu um romance, daria mais? Pode ser! Mas, quantos escreva, aquele rapaz, que não me deu emprego, dinheiro ou alimento, é um personagem que me desperta gratidão de verdade.
Era uma simples garrafa de bebida, mas, naquele momento, aquela garrafa continha o meu sonho de felicidade!
Anos depois desse fato, quando recebi a mensagem de recuperação do A.A., eu tampei a minha garrafa e reabri a minha alma à vida. A minha homenagem, pois, a esse rapaz, não é pela droga psicoativa que tal garrafa continha e que para mim hoje nenhum valor tem. É porque, quando eu pedi a esmola, ele a deu, incondicional, sem se importar com “o quê” ou “a quem”!