O PERSONAGEM MUDO

Todas as pessoas têm os seus alter egos. Com eles, os sonhos, farsas e fantasias tomam corpo. E a poética exsurge na ponta dos dedos com um rastro de luz. Talvez o fôlego vivo do sol diário. Quanto mais os dias incidem sobre o corpo, maior é a carga luminosa. Aliada esta ao conhecimento acumulado, alguns trespassam até o Ego e conformam veracidades que contaminam o outro, o qual está sempre à espera do bálsamo para suas dores. Por vezes, há um único alter ego disposto à imolação pelo Outro. Em regra, está dentro de si próprio e nunca viaja para fora. Seu nome é Solidão. O poema que dele nasce denomina-se Silêncio e é um personagem mudo de palavra, porém pleníssimo de discursos. O seu conteúdo é tão egocêntrico que não se evola. Todavia, é um morto-vivo. Respira com muita dificuldade. Aliás, ronrona. E morre nas horas em que o sono chega com sua pauta de misérias. Um gato que mia enquanto todos dormem...

– Do livro O PAVIO DA PALAVRA, 2015/16.

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