O estranho
É um dia movimentado como outro qualquer. Saio de casa bem cedo. Afazeres e obrigações corriqueiras. O cotidiano turbulento de qualquer pessoa...
O transporte público é a opção de muitos. Muitos como eu. E no veículo entro, acomodo - me em seus aposentos. Carros e mais carros é o que vejo. As simples moradias dão lugar aos grandes prédios no longo percurso pela cidade.
No caminho, com o olhar fixo através dos vidros poeirentos da janela, perco o interesse pela paisagem. Agora rostos e mais rostos observo. Em alguns, há faces cansadas. Em outros, expressões não tão alegres mas, talvez, acostumadas com os aborrecimentos diários, previsíveis, porém, incertos.
Nesse instante, começo a perceber os tantos que ali estavam, como eu, sentados. E por que não havia percebido antes? Quem são eles? Me pergunto. Estamos aqui, todos juntos. Compartilhamos do mesmo caminho mas, cada um para seu destino. Será que as pessoas se perguntam se teriam coragem de ficar, por horas, sozinhas, ao lado de um estranho? É o que fazemos todos os dias. Estamos acompanhados um do outro, porém, o outro, para mim, não faz nenhum sentido se desconhecidos somos. Então sozinho estou. Estamos.
O ônibus para. A porta se abre e entra mais um estranho. Ele escolhe cuidadosamente os lugares e senta-se ao meu lado. Alto, magro. Os cabelos um tanto grisalhos expressam a idade. Nem sequer virou para ver minha face. Eu poderia lhe dizer um “bom dia”, quem sabe. Porém, isso não seria algo comum, estamos na grande cidade. Esta é a geração na qual a indiferença se tornou um hábito.
O trânsito, por várias vezes, congestionou-se. E o que poderia ser um percurso breve se tornou em quase duas horas de viagem. Às vezes me distraía com a paisagem empoeirada que de montanhas, rochedos ou bosques não tinha nada. Era prédios e mais prédios! Casas e mais casas! Outras vezes – e foram várias essas vezes! – voltava minha atenção ao estranho, ali sentado, do meu lado.
Quem era ele? Me perguntava. Suas mãos seguravam firmemente um envelope marrom meio amassado. Seria um Curriculum? Quão triste seria o desemprego nessa idade! Seria o resultado de um exame médico? Estaria ele preso a uma grave enfermidade? Ou o resultado seria para sua mãe, mulher, filhos? Ou seria ele um homem solitário, triste, de tanto viver sozinho?
O estranho se levantou. Caminhou até a porta de saída. Desceu assim que o ônibus parou e, com seu envelope na mão, seguia. Acho que ele sequer percebeu que eu estava ao seu lado e, muito menos, que sua vida era o roteiro dos meus pensamentos inquietos. Mal sabe, aquele estranho, que ali, tão perto, havia uma pessoa estranha tentando decifrar seu universo!