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No mundo em que se alimentam os dramas poéticos mora um resquício de vida. Escrever é quimioterápico. Assim mesmo. Se se alimenta a vida suja de angústia morando na dimensão poética que, naturalmente, é seu contrário, portanto, a antipoesia, corre-se o risco dos sofrimentos criarem, dentes, pelos e cabelos. Eu, desde pequenino, nunca dei bola para doença. Meu choro é cura. Molho rosto, fronhas e papéis pois que navego por águas desconhecidas, salgadas, águas de meus antepassados, vida ainda a ser decodificada. Quando abundam meus quereres passo e repasso meu desmerecimento, quando meus desejos me dominam, quero só matar-me a mim, grito de histeria, quero coito, interrompido, se me batem, urro, às vezes, acuado, fico fora de mim, de garras em minha natureza. No entanto, também me contento, mas é mais raro, e sei, vezes sim, de um sentimento de inércia que a vida nos impõe. Opção boa é este negócio que fiz quando decidi amar e desamar, ter medo e concorrer comigo mesmo. Outro dia me despi na frente do espelho, posei minha nudez a Deus e perguntei-lhe se se despiria também. Deus apenas assentiu, a atmosfera paralisada, e percebi quando ele me mostrou uma marca de catapora no lado esquerdo de seu rosto, pertinho do nariz. Naquele dia ficamos bem arranjados, soube que Ele, desobediente, transgrediu as ordens de Maria e coçou uma ferida que marcou para sempre sua parte mais óbvia no mundo. No meu rosto fica bem evidente que sofri, mas está tudo bem cicatrizadinho. Estou ficando velho, porém sem enfeiar muito, porque as palavras vão lavando de mim o pecado original. Meu pecado é toda a matéria que negocio com tudo e com todos, é tudo que sei, é porque adoeço e também porque volto a ser são. Saiba, sanidade é um tipo de fluido febril que molha os lençóis em minhas noites mais conturbadas. As linhas da minha bochecha estão dobrando-se neste papel frágil que embrulha meu imbróglio. Apesar disso, não me preocupo não. Na mesma medida em que choro não sorrio, contudo, e nesta medida, os faço é para desidratar as matérias mortas para fora de mim, ou retirar um ar quente que sai dos pulmões e respirar-lhe num texto que me acalma um tiquinho, ou numa pessoa a quem quero abraços. Abraço a mim mesmo, então, deitando-me num colchão de palavras que só cabem a mim, não durmo mais tranquilo, mas tenho minha própria cama para deitar, remédio para meus males, minha filosofia.