Eu sou o outro
Arrisco tudo no que digo, no que penso e no que falo.
Prevalece sobre mim seu eu, que é meu também.
Admiro tudo o que possa existir. E se existe, também existo.
Escrevo todas essas coisas no papel e em imagens,
e quem me ler, me lerá. E quem não me ler, lerá a Verdade
nos meus olhos, nos meus atos, nos meus movimentos,
nos meus apetites e, até na minha lascívia.
Já te aviso de antemão:
que antes de mais nada
és meu irmão.
És minha irmã ou irmão e, se choras, também choro.
Se consentes, também consinto e assino em baixo.
Se resignas-te, também resigno-me, mas num assumo lhe levanto.
Se de alegrias choras, emociono-me também e lhe abraço,
mesmo em pensamento...
Aviso-lhe [de coração]
Tu és o outro,
e eu também sou o outro.
Melhor, o outro sou eu em toda a sua plenitude rizomática.
Por que quando cresces, também cresço um pouco.
Contemplo-te quando as coisas certas faz e, as erradas também...
E no fim terminamos como dois amigos que se abraçam
numa fresca tarde de verão.
Num campo por onde a relva irradia a sua beleza e
ri gostosamente de nossa felicidade.
Por isso, irmãos e tu que estás parado aí,
balançando a sua existência numa cadeira,
nós devemos ficar em nosso mundo.
Pela duodécima vez tiremos das estantes empoeiradas,
os livros que falam o que há de bom e, de melhor em nossos corpos e,
em nossas almas.
Em especial a felicidade.
Ela, que renasce em cada choro de alívio e, em cada pôr-do-sol.
Tudo que constrói com instrumentos que não causam calos,
nem resmungos e,
que passa apercebida, apaixonada como a vida por entre nossos corpos,
e que impera vitoriosamente por sobre a morte.
***
São Paulo,
23 de outubro de 2008
*Foi baseada no poema 'Leave of grass', do poeta estadunidense Whitman.