ARDENTIA

TADEU BAHIA - Autor

(Ao NAILSON CHAVES e ao QUARESMA, para, ou como, um tema pictórico).

Queria ouvir dos seus lábios rubros um canto GREGORIANO – doce, acalentando as fímbrias lilases do meu peito... Queria sentir sua língua, tal o mercúrio-cromo, a cicatrizar as feridas abertas em minh’Alma com(o) palavras brandas, igual ao perfume da noite...

Queria ser o seu olhar rubi – incandescente e louco – como este incêndio maravilhoso queimando os sobrados da cidade, intoxicando virgens e mulheres, e outras mulheres grávidas a expelir sangue pelos narizes aquilinos e frágeis.

Queria ver, na hora do rescaldo, as nádegas e nádegas abrindo-se, abaixando-se para defecarem o desespero...

... a miséria...

E as ondas marinhas iriam varrer os escombros fumegantes e negros com a sua coberta de esp (er) (u) mas!!

E cresceriam algas e algas e mais algas, e nasceriam estrelas do mar no seu jardim de menina...

E as ondas cadentes aliviariam os sonhos tostados, a poeira ressequida e esquecida dos móveis em chamas e quadris chamuscados gritando por socorro e mãos trançando-se desesperadas e nervosas...

E pernas grossas e finas e ágeis e lerdas atrapalhando-se pelas escadas, caindo, pisando, correndo, matando... e vivendo! Enquanto tapetes escarlates forrariam as escadas, os corredores, os parapeitos e elevadores que sobem e descem sorridentes e vagarosos com(o) a morte, piscando as suas luzes vermelhas e verdes para os passageiros carbonizados, azuis e espantados, como numa novela inglesa...

E o ruído das chamas aliviaria o meu peito, resfriado e cansado de amores. E nesta Ardentia, chamaria o seu nome bem alto, enquanto lágrimas úmidas tentariam apagar o fogo que em mim arde.

(Lágrimas vacilantes de SAUDADES!).

Coração aberto!... Aurículas e ventrículos lacerados pelo calor do fogo, o qual também queima os panos bordados das janelas infantis da minha existência! Gotas cálidas, cristaláceas e cambaleantes como a manteiga, untando-me o corpo descarnado e nu.

Ruído de facas úmidas, lambidas pelas línguas frias do fogo tal um curto circuito numa manhã de abril. Meus sonhos azuláceos perdidos entre as ramagens das pernas das cadeiras e mesas e móveis adversos de pernas para o ar, esperneando e gritando, enquanto o fogo lança lúgebres azuis sobre a paisagem funesta...

Está chovendo faíscas nas avenidas, e se por acaso o vento soprasse, chamuscar-se-iam de sonhos os meus cabelos empoeirados e estendidos em meu rosto, pelos meus ombros finos que carregam o fardo da Inconsciência, atados à uma longa negra e espessa, igual à uma noite de tempestade!

Meus dentes batem.

Num ruído de correntes de prata enfurecidas...

...e as mandíbulas latejam por causa da febre... Deliram... chamando num eco, o seu nome no mar...

E as sirenes gritam carbonizadas, e carbonizadas as escadas estalam e os corpos viram cinzas ou espocam em formas de foguetes em dias de procissão...

Há um poema absurdo de corpos atracando-se!

E as camas giram, e os quartos giram e os olhos viram e os corpos caem no chão... Na hora do êxtase!

Garrafas pipocam por cima dos muros queimados e os castiçais refletem o incêndio...

... e o incêndio reflete VOCÊ!!

Há um movimento de plumas e cristais e pernas.

Inda há cadeiras e mesas e estantes queimando.

Inda caem edifícios e sobrados e casas e prostíbulos...

Inda se movimentam corpos, como sombras, e nádegas e mãos desesperadas coladas aos rostos – numa máscara de angústia...

Inda há buzinas troando e sirenes gritando impotentes nas ruas.

Inda há mulheres nuas queimando os pelos e os pelos... Martirizando o corpo, estendidas nas camas, recebendo o fogo como se recebessem um homem...

E estendidas, choram, gritam, gemem, riem... gozam e desaparecem numa lufada de fogo...

As portas estão paradas, quais lúgebres e escuras cancelas. (Impermeáveis e ardentes como um beijo seu...).

Há relinchos histéricos nos campos e as éguas galopam em direção ao crepúsculo, aonde vêm uma fogueira acesa, diminuindo de intensidade e extinguindo-se lentamente.

É NOITE! Silêncio!

Os mortos e vivos pedem SILÊNCIO!

ELES PEDEM PAZ!

Cabelos encaracolados e vermelhos passeiam pelos escombros.

E mãos ensanguentadas e tostadas abrem as portas e janelas.

E as mulheres vão para as varandas. Não há ninguém nos cinemas, a não ser o cartaz – ceifado pelos meus olhos num relance.

Meus cabelos, minha sombra e os meus pés descalços.

Pisando e repisando as brasas pelas avenidas.

As vitrines opacas. Manequins desnudos e intoxicados.

Sabonetes fedendo a enxofre e águas de colônias derramadas em meio às poças nauseabundas de sangue e pus.

Crepusculário de sóis e mais sóis nesta noite tenebrosa.

Canecas e xícaras emborcadas e mudas.

Talheres escaldantes, porém estáticos e os pratos prestando continência aos guardanapos rotos que lhes servem de bandeiras...

Alguém viria, talvez. Alguém viria...

Quem sabe?

Alguém viria beijar, com os lábios rubros, a minha face de criança, nesta cálida noite de primavera e etc:. etc:.

(O ensaio supra foi escrito em 1975 homenageando os artistas plásticos NAILSON CHAVES, na cidade de Amélia Rodrigues - BA, e ao QUARESMA, na cidade de Santo Amaro da Purificação-BA. O mesmo foi publicado na Revista do Jornal da Bahia, na página literária “GENTE JOVEM”, do ex-JORNAL DA BAHIA no dia 04 de maio de 1975 – ARQUIVOS DO AUTOR).

1969 - POEMA DE TODA A SAUDADE!

TADEU BAHIA
Enviado por TADEU BAHIA em 05/08/2016
Código do texto: T5719670
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