Monólogo II
Aquele senhor de alguns instante atrás... me confundira com alguém que ele conhecia. Percebo como é estranho a forma como nos julgamos. Ele se envergonhou ao perceber que eu não era quem ele pensava que fosse. Mas eu estava com a atenção em algum lugar do nada, sua voz entrara em meus sentidos despercebida, que eu escutava sem escutar. Ao vê-lo desculpando-se - pelo jeito já havia percebido seu engano antes mesmo de eu notar sua últimas palavras de desculpas - percebi entre minhas sensações sonolentas que ele se envergonhara.
Que estranho era aquilo. Por quê? Eu nem mesmo havia notado seus pedidos de desculpas, muito menos sua presença. Com quem ele falara? E quem o ouvia que não o escutara? E quem nele falava se ninguém do outro lado o escutara? Que doce isolamento. Isolamo-nos calorosamente em nós mesmos, como se fossemos cobertores em dia de inverno. Aí de quem para si mesmo for uma má companhia, terá de costurar cobertores até que o frio os leve a servidão que será sua estrada até a morte.
Que minhas ilusões sejam seivas para uma bela obra de vida, e não para enrubescer como aquele senhor que me falou enquanto passava anônimo entre anônimos. Penso agora em quantas vezes me envergonho entre pessoas que talvez nem me tenham notado, ou quantas vezes não morri de vergonha ao cair entre uma multidão de pessoas! Naqueles momentos eu sentia minha existência mais intensamente do que em qualquer outro momento, sentia seu peso existencial, mas sofria porque interpretava a imagem pela realidade, a representação pela coisa-em-si.
Se estou isolado do outro, e se a realidade imediata que se me apresenta é somente esta, a "minha", que sombra é essa dentro de mim que se sente ofendida com o que os outros pensam? Quem realmente fica com vergonha? Se o que penso não corresponde a realidade então estou fora de sintonia! Se a imagem e o sentimentos envolvidos não são senão um erro do que penso, lembrando-me sempre de que não sou eu que estou pensando, que coisa é essa que queima em mim quando eu mesmo me envergonho! Sou juiz, vitima, culpado e inocente. Sinto-me desconhecido, isolado de toda gente.
Estou amarrado socialmente a mim mesmo e separado do que sou porque o que penso ser me escraviza, e a linguagem socializa um "eu" que percebe a vida por uma realidade dividida, onde eu não sei mais se sou o pensamento que está pensando ou se eu penso a mim mesmo toda as vezes que estou pensando. Ah, não sei. Mas sinto uma nova terra avista, sinto cheiro de coisas novas. Terra inabitadas, valores jamais criados, sonhos e fantasias.
Se o pensar for a causa das circunstâncias de minha realidade, o mundo inteiro e mais o inimaginável está dentro de mim pronto para ser criado e explorado...
Basta apenas acreditar!