O meu peito é um depósito de nicotina

Os meus tecidos infectados cobrem-se de um mofo. A contaminação vem das sépalas. O meu peito é um depósito de nicotina implorando para desidratar e eu não estou nem aí. Enquanto vocês levantam bandeiras e declamam discursos pleonásticos inúteis, uma criança é estuprada em um palácio onde todo mundo fala de poesia e dependura roupas brancas no varal numa noite clandestina. Perco-me na profusão de sensações e alguém me encara com olhos de peixe morto e me diz, pausando entre cada palavra, que posso morrer se não souber nadar nas constelações de alfabeto. Estou debaixo deste teto de telhas encardidas e vejo o céu escrito a giz. Atravesso dezembros vacilando sobre os pés e me perguntando de que tecido é feita minha carne e de quem é a merda a me consumir como um corpo sem chama. Resta-me a desolação típica de quem viu seu castelo desabar e a áurea de quem condena a moderação.

Hellen Leandro.