Paisagens da Alma XL
Ele dormia nos bancos das praças e gostava de observar as pessoas caminhando, conversando, gesticulando com seus cachorros. Eram expressões de vida, formas de existência singulares, seres únicos que lhe enxiam o orgulho por lhe lembrarem de sua singularidade. Sentia-se leve como o ar que respirava, adormecia ao som dos pássaros sob frescas sombras de árvores frondosas. Ele amava as praças por causa do verde vivo das folhas, esquecia-se da vida para vivê-la sem pensar, e sentia-se nas asas e nos cantos dos pássaros que deslizam pelos céus. Ele não pensava, não julgava, não falava; sua alma era inteiramente absorvida pelo silêncio que se estendia por trás dos barulhos da cidade.
Assemelhava-se ao espírito de uma criança que inocenta o mundo com os olhos da inocência. Com o conhecimento de uma criança ele vivia o mundo dentro de sua alma, respirava ares de sonhos e fantasias, se perdia entre as paisagens que lhe chegavam ao espírito como num filme que nos esquecemos imersos no desenrolar da história e das cenas; de repente, de súbito o filme acaba e nos lembramos de quem somos. Mas ele já não se lembrava mais quem era, não lhe importava, por isso não emergia em seu “eu”, estava esquecido de si, vivia entregue ao silêncio do coração, que quanto mais distante psicologicamente das tramas da vida mais integrava esta mesma vida em sua realidade, criando uma totalidade dentro da multiplicidade. Deitado num banco da praça um dia teve uma visão, mais propriamente um sentimento, que dizia:
Vê estas pessoas que seus olhos veem, menino? Elas não existem. É tudo um sonho, mas não seu. Cuidado! Não deixe-se enganar. A megalomania é de ordem contrária, como um rio que corre sinuoso, rico em beleza, e que desemboca num oceano de loucura. Isto não é sonho teu. Nada é seu. Tu e o outro existem em função de uma ilusão que se sustenta mutuamente. Você não existe sem o outro, mesmo que conceba seu corpo como seu tudo são meros conceitos e hábitos linguísticos que você pode afirmar nada com certeza. A ilusão é da ordem da vida, a ignorância surge da fraqueza do homem quando este, incapaz de suportar suas próprias afecções criadas pela ilusão, começa a juntar os cacos de si e rememorar o real que um dia lhe agradou, criando uma jornada sem fim em busca da verdade. Sonhe, menino, mas sonhe consciente. Nunca há descanso para aquele que observa com leveza e naturalidade, assim nunca cairás na ignorância.
Ele disse ao seu coração: quem me traz esta visão? Foi tu? E um silêncio interior que transbordava para fora o fez notar na instância do momento que decorria o centro do irreal. Estagnou-se a sensação do tempo e concentrou-se no presente uma colossal energia, sem causa e efeito; tudo milagrosamente acontecia. Como? Ele não sabia, mas o silêncio por si mesmo respondia.