Travessia do sofrimento
Fomenta a ira do negro céu
para os dous poetas,
no Aqueronte.
Com a mão [ele] tenta esconder-se
à cena apavorante.
A boca dum castigado
mastiga com a mesma ira que resta
em sua alma.
Outro cadavérico como o gelo,
boia rente ao barco dos dous viandantes.
Dedos dum torturado tocam
o umbigo doutra infeliz criatura.
O destemido poeta interpreta
essa lamuriosa cena com costumeira frieza.
Como se fosse daquele mundo, daquelas paragens...
mas, de nada, assaltando-lhe de súbito.
Sua firme mão tenta passar calma
ao assustado poeta.
Relembra-lhe que está apenas de passagem,
e que se tiver fé, incólume passará dessa região.
Mas como não se estremecer de aflição,
quando se vê um corpo se contorcendo
pelas águas do rio?
Esse pesadelo de cadáveres [possessos] nada,
mas nada mais são
do que um pesadelo sem-fim.
(Sequer podem possuir andrajos...)
Os peitos da penitente murcharam
a tamanho suplício.
As ondas sepultam os sonhos de esperança
dos prisioneiros do rio.
Todos ali refletem a mais pura miséria de fé.
Nenhuma prece é feita por entre
as sufocantes águas negras.
As coxas do poeta abalam o movimento
para o mínimo
de estabilidade emocional.
O sacrifício do âmago
é exposto [cruamente]
aos prescrutadores olhos
do intrépido poeta,
que uma vez mais, adverte
o seu companheiro de que tudo aquilo,
deve servir-lhe de aprendizado.
A negra túnica contrasta com o rubro do céu,
que a muito deixara... e, repensa
sobre tudo que tem vivenciado.
A barca segue...
com as remadas de Caronte;
impassível ao músculo que tenta
apoiar-se no barco,
como um sinal de saída.
Ante a tamanho sortilégio do destino,
o pânico do poeta é eliminado,
conforme o tempo ao qual passa
por aquelas paragens. Porém, à ele
continua o sofrimento visual.
Vendo isso, o seu guia, lhe diz
novas palavras para encorajá-lo.
***
São Paulo,
29 de outubro de 2008