Processo 230687

Mais uma vez esses versos estúpidos. Um dia escrevi por vaidade, outro para vomitar minhas dores apoiando minha carência no absurdo de afinidades por desgraças em comum quando o mínimo de decência seria desejar que ninguém se sentisse assim, além de guardar essas palavras ao invés de expor-las para chamar atenção de outro falso patético poético.

Não acredito em nada do que fiz, em nada do que escrevi e nem sei se um dia acreditei de verdade, pois nas fases de fervor e paixão de minha vida o eco da dúvida sempre fechou meus olhos no escuro antes de adormecer onde ninguém me vigiava além de mim, e então acordava no dia seguinte com uma ressaca de mentiras que chamei um dia de pincéis de ilusão.

Alguns me chamam de artista. Não sei se fui algum dia um artista, não sei o que é ser um artista e ja perdi anos estudando sobre isso para me justificar inutilmente, para construir um conforto, uma perspectiva, mas a verdade é que não cheguei aos trinta anos ainda e deixei de me extasiar em construir castelos com Morfeu para me confortar com a possibilidade de um sono tranquilo no colo de Tanatos, e todos que conheço, que são próximos a mim e seguiram esse caminho estão assim; então pergunto, é isso que é ser artista? Perder o medo da morte e passar desejá-la ainda jovem? Não. Ser artista é ter o ofício da arte, um emprego como outro qualquer. Isso de desejar sono em expansão é coisa de gente de ouvidos e pernas doentes, pois ouvem outra música tocando na vida e mesmo quando por um lapso escutam o que o mundo está tocando não saberiam dançar, pois não conseguem ter aptidão nem para dançar a música louca que o próprio coração pulsa desesperadamente. É isso. Não temos membros condizentes aos nossos sentidos, somos corpos desperdiçados para o que nosso âmago deseja e estamos cansados de se contorcer atados em nóz de ondas incompatíveis;

Escrever isso seria uma terapia, mas então por que publicar? Por que acho que as pessoas devem se interessar por e pelo o que sinto, por e pelo o que penso? Por que acho que elas precisam saber? Então ainda escrevo por vaidade, também para achar pessoas que se identifiquem, e me confortar por não estar sozinho, e depois me sentir um estúpido por me sentir confortável em dividir sofrimento quando seria melhor se outros não se sentissem assim; mas é isso que são certos poemas, são acordos ontológicos improváveis como esse aqui que você lê agora, onde nos encontramos para dividirmos solidão, onde finjo remorso pela melancolia que você finge que sente, onde fingimos que enganamos uns aos outros por alguns minutos enquanto passamos a vida toda enganando a nós mesmos.

Leandro Tostes Franzoni
Enviado por Leandro Tostes Franzoni em 21/07/2016
Código do texto: T5705072
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