PeQuEno mOnÓlogO dE NéO dE DeUs

- Nenhum sol brilha lá fora, por detrás das grades que circulam este prédio.

Sinto fazer isto, mas tenho que cortar meus cabelos. Preciso... Quero me sentir como jovem novamente...

Daqui a pouco, eu sei, eles vêm de novo, colar em meu corpo e me encher com seus remédios... Mas eles não sabem de nada... Não do que eu sei!

Hahaha... Mas o que eu sei? O que eu sei?

Não sei... Eu preciso saber... Eu preciso...

Tenho que cortar meus cabelos.

- Por que as tesouras são sempre tão perigosas... As armas...

- Lembrei agora,

Eu tinha treze anos, entrei no quarto de meu pai e vi seu 38, já meio enferrujado, já meio obsoleto... Toquei-o. Sem querer, disparei, meu pai aparece invade o quarto, e, pálido, pergunta o que houve...

- não sei... Eu só toquei nele e...

- você está bem?

- estou, estou sim...

- que bom, não faça mais isso!

- pai.

- Quê filho?

- por que as armas matam?

- não é arma que mata filho, é a mão que dispara. A maldade não está nos objetos que tenho, mas o que faço deles...

(silêncio)

- Hum... Que bobagem... Meu pai é um bobo mesmo!

(fitando-se frente a um espelho)

- Meus olhos estão vermelhos...

Sou feliz! Eu sou o pássaro descompromissado com a vida! Sou ateu e Deus...

Ai, esses cabelos meus...

(Corta seus cabelos lentamente. A tesoura parece estar cega, sem fio de corte algum...

Cabelos pelo chão. Desiste do corte e vai a te a janela gradeada. Observa.)

- porque tanta rua? Tanta esquina... Pra onde os carros correm?

...

(Uma lágrima escorre e percorre-lhe o rosto)

...

- Ei garoto! Vem cá, deixa eu te dá um pouco de vida...

(seringa em mãos. O homem se aproxima. Entram mais dois e agarram-no.)

- Não! Não... Chega de vida... Chega... Chega...

(Queda. Chão. Vida)

- Mãe, eu preciso cortar o cabelo... Eu quero ser mais jovem... Mas num quero mais, num quero nunca mais provar isso que chamam de vida!

(Os três homens saem e o silêncio volta rasgado pelos gemidos seguidos de contorções. Um qualquer ao chão não pede mais vida como os demais seres providos de razão.)

- eu quero... Eu preciso.

...

(entra um outro homem. Veste branco.).

- Silêncio. Ele dorme em paz!

* * *