Solidão (Sob o clarão da Lua)
Solidão
(sob o clarão da Lua)
Minha rua é pequena e estreita. Formada por casarões antigos das décadas de 20 ou 30, suponho. Vários deles são assobradados, cinzentos, descorados e há muito tempo sem conservação.
Típicas moradas de assombrações, disse-me certa vez o carteiro que vez por outra aqui passa para a entrega das contas de água e de energia elétrica. Cartas são raras, pois hoje em dia quase ninguém as escreve.
Onde inicia, a rua é fechada por correntes impedindo o trânsito de veículos que vêm da via principal do bairro. Na outra extremidade, onde termina a rua, existe uma pequena praça. É por ali que, em caso de urgência, pode entrar uma ambulância ou outro veículo qualquer para socorrer pessoas.
Para facilitar a minha já pouca capacidade de locomoção, moro em uma quitinete alugada no andar térreo de um dos sobrados.
Os paralelepípedos do calçamento estão lisos e parecem vitrificados pelo arrastar de muitos pés por seguidos anos. Refletem à noite as amareladas luzes de antigos postes de ferro.
Da minha janela de solidão dá para observar vultos que por ali transitam. Quase todos idosos como eu, silenciosos, rastejantes e cansados. Um, já observei, sempre pára, retorce leve e lentamente o corpo, como a desejar conferir melhor o trecho já percorrido, ou algum detalhe que possa lhe ter escapado, para só então seguir com um muxoxo incompreensível. A cena parece se repetir centenas de vezes.
O sol quando surge atinge apenas por instante as partes mais altas dos prédios. Assim, o maior trecho da rua fica todo o tempo mergulhado no mofo de uma umidade malcheirosa.
Os caixilhos da minha janela e as calhas do prédio defronte ao meu, estão todos enferrujados e vazam a cada chuva. Por isso, estou sempre com um trapo por perto para reter a água, já que no Verão chove por vários dias.
Duas últimas árvores, uma em cada extremo da rua, onde o sol ainda bate, resistem. Mas definham cada vez mais pela falta de espaço. No Outono suas folhas caem e outras brotam em seus poucos galhos cada vez mais fracos, e que a cada ano parecem em menor número.
Fico horas e horas nesta velha cadeira de balanço cochilando e observando a rua. Espiando inúmeras vezes essa mesma tela.
Muito raramente algumas crianças passam correndo em suas brincadeiras barulhentas, fazendo algazarras que me alegram. Mas mal dá tempo de apreciar a jovialidade delas, pois logo desaparecem na esquina.
O único passeio que ainda arrisco fazer é ir ao parque distante a umas duas quadras daqui. Isso, quanto é noite enluarada e a temperatura está mais elevada.
Sento em um banco na margem do lago e fico a observar as duas luas: uma no céu distante e a outra refletida no lago, quase possível de ser tocada. Fico olhando e pensando, até que enfastiado me recolho.
As noites estão cada vez mais longas. O silêncio perturbador só é interrompido por algum vira-lata em busca comida nas lixeiras, ou quando casal de gatos exalta o amor em lânguidos miados.
Quando é noite de lua cheia, o seu clarão reflete por muito tempo no piso negro da rua. Dá aperto no peito e, na solidão da minha janela, as lembranças da juventude afloram fortes:
No colégio, a sala de aula mista, em que a maioria dos rapazes sentava em alas separadas das moças. Timidez? Não de todos. Alguns, desinibidos, sentavam mesmo com as garotas nas carteiras de duplo assento. Outros preferiam certa distância e boa posição para facilitar o flerte com as garotas pelas quais estavam perdidamente apaixonados. Longos e deliciosos semestres falando de longe, apenas com os olhos!
Eu gostava de me isolar dos colegas durante o recreio, só para ter certeza que era somente meu os olhares que ela endereçava. A sustentação do olhar, no flerte, era como um beijo longo, apaixonado, saboroso.
Mas isso foi há muito tempo. Agora, somente em rápidos sonhos ocorrem instantes tão felizes:
É quando ela aparece do outro lado, na arquibancada do ginásio da escola e tento uma foto, mas a máquina não funciona, Ela desaparece, e ansioso procuro; procuro por ela em meio de uma multidão. Consigo ainda vê-la por alguns instantes, mas desaparece de novo com um sorriso triste que eu não queria ver.
Acordo com lágrimas nos olhos e grande vazio no peito na minha velha cadeira de balanço.
E segue mais uma noite de solidão, sob o clarão da lua que penetra pela minha vidraça na quase madrugada.