À Clara I

Clara, já está escuro, e de novo aqui dentro reacende uma chama. Uma chama de medo, de dúvida, de insegurança. Um chama simplesmente por “sentir”. Você me conhece Clara, sabe muito bem dos meus devaneios e voltas e voltas e voltas que eu dou feito criança sobre e dentro de mim mesma. Você, melhor que eu, sabe o quanto eu sinto, por isso escrevo, por isso me afogo em livros e poemas, pra permanecer perdida e em seguida achar que está tudo bem comigo quando na verdade não está. Porque no fim é isso, tudo fica, de uma forma ou de outra... O dia amanhece, o sol surge e todas as coisas dançam novamente. Tudo vive, Clara, e talvez eu me pinte com algumas certezas para me certificar de que o caminho está sendo seguido, de que há vida nele e em mim. Às vezes isso tudo se embaraça. Normalmente tudo se embaraça como um nó do qual eu desaprendi a ordenar. É que, Clara, cá entre nós, você sabe que eu sou grande demais pra tudo o que eu sinto, e aí tudo se esvai, e some e cresce e fica apertado e fica grandioso e violento de novo; e eu nunca, nunca sei bem aonde me segurar. Eu tento frear e observar os detalhes (que acredite Clara, são muitos), mas é difícil. Difícil porque eu não consigo nem olhar para as estruturas, nem olhar pra dimensão dos prédios... antes mesmo disso eu me perco. Eu me perco em pé, intacta, terrena Clara. Você vê, é a segunda ou terceira vez só nesse texto que eu te digo sobre estar perdida. E de certa forma eu acho que sou realmente isso. Um estado de perdição total, um pássaro azul que pode voar, mas prefere ficar preso, enclausurado. Engaiolado. Eu só queria compreender certas coisas, mas eu me desencontro ao fazer isso comigo mesma. Comigo, aqui dentro. Clara, tudo se repete, toda vez, toda vez mesmo e isso é outro fator que me angustia. Sabe quando falei sobre girar? Acho que já estou tonta de sempre girar pro mesmo lado, direção. Eu queria algo novo. Acho que é isso, eu realmente preciso de algo novo. Eu mudo de cidade, recomeço, conheço novas pessoas, mas eu particularmente continuo a mesma Clara. A mesma. E por um lado não é tão ruim assim, pelo menos me certifico de que sou o que sou dentro de todos os limites. Tímida, com sede, sempre com muita sede de explosões e transbordamentos, porque eu gosto muito, muito disso de não caber dentro de mim mesma. Mas aí Clara, eu acho que sou quase imutável. Eu fico nisso, numa perdição e transbordamento incessante, assim como o pingo da chuva quando cai do alto até o chão, assim como tempo. Eu sempre vou e não volto, e acho que faço isso por medo. E aí, de novo Clara, eu escrevo, me exponho, me dispo (assim como Drummond diz) em livrarias, bares e até mesmo para pessoas achando que algum desses alvos pode me “sanar”, me “curar”. De que? Bem, nem eu mesma sei. Mas acredito que é isso Clara, já está bem tarde, e eu de novo de novo e de novo queria dizer isso, que sinto muito e a vida escorre pelas minhas mãos.