Doem-me as noites
Caem as noites em mim, as nuvens que rondam lá fora tolhem-me os sonhos, os gritos pensados e sonhados mesclam-se entre a minha solidão e a multidão que me habita, sonho o branco, a luz, no negro que me ladeia, na cadeira, na candeia que se agita na brisa que me entra pelas portas não calafetadas. O luar, a visão e memória desse ser noturno que me incendeia, povoa a mente, que me desmente, nos mitos e desejos contidos de ferocidade, ferve-me o sangue, treme-me o corpo, não no feitiço da lua, mas na imagem de teu corpo distante e longínquo no passado. Não me entristeço no pensamento de um passado, mas na ausência de pensar em mim um futuro, na incerteza de existir em mim um presente, e lá fora, bem fora de mim uma certeza, o vento sopra, sinto-o, ouço-o, vejo a sua força e atos, e incomoda-me, nem que seja pelos ramos da laranjeira que se precipitam contra a vidraça da janela do meu horrível quarto, conspurcado pela minha mera presença. A noite, onde se agitam sombras, abarca meio mundo no desespero, na doce esperança, que nada é efetivamente permanente, hoje doem-me as noites, onde ontem sorriam as palavra que ecoavam nas paredes deste leito, hoje vazio de ti. Caio no silêncio do meu sonho, amanhã, amanhã o sol ira nascer, acalento em mim essa doce esperança, hoje não, amanhã, as flores voltaram a sorrir!
Sírio de Andrade
Textos dispersos II