Paisagens da Alma XXVI

Deitei sobre o campo escuro, debaixo de uma árvore seca, repousei as mãos com os dedos trançados sobre o peito, olhei para o céu com suas estrelas pequeninas e abri-me a tudo que viesse a consciência. O coração batia sob as mãos, a respiração era suave como o vento, lindos versos brotavam dos sentimentos, esquecidos agora no limbo da mente. Coisas que nunca chegaram a ser, verdadeiros gestos de poesia.

O sangue circulando pelo corpo, a respiração acontecendo, o vento soprando os matos, o silêncio em movimento; sentia isso tudo como a vida se vivendo. Pensamentos afloravam do nada, frases prontas, ideias raras, coisas de um só momento; mas dispenso, fico a sentir o coração silenciosamente. Mais pensamentos... Em silêncio, pensei: Está tudo acontecendo espontaneamente, este mesmo pensamento antes de acontecer foi espontâneo, não sabia quais palavras dizer antes de dizê-las, apenas tomei consciência delas. Não ensaio o que pensarei. Pensei: Então, quem está pensando? Eu. Eu quem? Não obtive resposta, o coração indiferente batia silencioso. Percebi um afastamento de mim, e o pensamento “eu” parecia cada vez mais ser apenas um pensamento, e não uma identidade.

Levantei-me por decisão de um pensamento, e dado alguns passos parei, mas desisti de fazer o que disse a mim mesmo que queria fazer naquele momento. Voltei para o meu canto e um pensamento zuniu: Como pode não ter sido eu quem tencionou fazer o que acabei de fazer? Notei a peculiaridade deste pensamento. Quem sou eu? – pensei. Examinei o que me era mais verdadeiro naquele momento: Como posso me referir a mim como um pensamento, que só se identifica através da palavra: eu? O que é o eu? Sou apenas um pensamento?

Silêncio... a vida passava silenciosa, a lua se mostrava charmosa por trás das nuvens que passavam quietas, indiferentes para os meus pensamentos confusos. A respiração lentamente contraía o abdômen, o coração batia e eu apenas o sentia como se não estivesse ali sentindo. Havia apenas o sentir. Um vento frio, de repente despertou calafrios em meu corpo, que desencadeou uma cadeia de pensamentos, e isto pulverizou estes mesmos pensamentos, pois mostrou-me profundamente que ali eu não tinha controle de nada. Larguei as armas...

Então, tive de súbito uma compreensão ambígua de que eu não existia. Eu não me sentia como uma pessoa. Havia o pensamento que se pensava, o frio que o corpo transformava em sensação de frio, o coração e a respiração que fluíam sem qualquer esforço, e a consciência disso tudo que iluminava todas as imagens - e por imagens me refiro a tudo que seja consciente para os sentido, ou para a consciência. Tudo simplesmente fluindo. Meu ego sentiu-se pequenino, quis agarrar-se, e aos poucos pareceu murchar.

Deitei nos braços do silêncio do meu coração, renunciei os pensamentos para ouvir-lhe a canção que me chamava. Era o silêncio. Por trás dos músculos do coração, do impulso à contração, encontrei um silêncio consciente. O silêncio que ele batia não era de ausência de som, era mais parecido com o silêncio do brilho das estrelas, e das nuvens que passavam pela lua.

"Porque, onde estiver o teu tesouro, aí também estará o teu coração. Um corpo iluminado ___Jesus de Nazaré

"Vossos pensamentos acrescentaram um dia de vida as flores, às árvores e os campos?

Fiódor
Enviado por Fiódor em 13/04/2016
Reeditado em 14/11/2016
Código do texto: T5604478
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