Escreveste
Escreveste
Escreveste, como uma bruxa desdentada, as três da madrugada, tua infância em rios, riachos, açudes, mares e piscinas. Escreveste sem porrete, em pastos, penhascos, rodeado de anjos, teus olhinhos perscrutavam céus e árvores, pássaros e águas.
Mergulhaste.
Escreveste, tua adolescência impetuosa, medrosa, um bicho que se atirava, um menino quase gago, um rapaz que corria, um espantador de cansaços, um domador de emoções ligeiras, lembravas um mago envolvido num manto e para onde suas mão brandiam os futuros se curvavam.
Alinhaste.
Escreveste, tua maioridade imberbe, tuas noções sem lastro, teus sonhos leves carentes de mãe e pai, os passeios de bicicleta, as mulheres de todas as cores, os amigos professores, competidores, desorientadores, ministradores do exercício da amizade que fazia zigue e zague com teu ego sem interferir no teu caminho descaminhado que urdias dia a dia como um macumbeiro expatriado jogando subterfúgios ao contrario de búzios.
Pasmaste.
Escreveste, teus trinta anos feito um ET crivado de demônios, aquelas crianças que nasciam, diziam, são teus filhos, aqueles velhos que partiam, diziam, são teus avós, aqueles lares que demoliam, diziam, são infortúnios, aqueles sonhos que tiveste entre delírios e resquícios de noites eternas, manhãs baças, tardes palpitantes, quando almejava honorários meritórios brotavam cravos hilários, parecias um doutor sem roupa branca e sem diploma cuidando de navios que passavam ao largo.
Desembestaste.
Escreveste, teus quarenta anos numa rolha de cortiça, aquelas crianças que cresciam, diziam, são teus filhos, aquelas mulheres do outro lado da ponte, dizias, não conheço, plasmava trabalhos implorando a aprovação de néscios, querias o espírito, tateava eflúvios, num dia triste pensou: isto é bem mais do que apenas palavras. Parecias um curandeiro incoerente invocando Dácios e Sármatas para uma estrada de rateios vazios.
Esvaziaste.
Escreveste, teus cinquenta anos em giz branco numa lousa mais negra que óleo cru quando brota do chão, querias algo não para tomar posse, mas para uma parceria. Almejavas a sincronicidade ao invés da lógica para guiar o restante de seus passos. Topavas tudo, menos se tornar uma visão descolorida do que não és, ou fostes, ou serás. Puseste o Eu em todas as coisas, mesmo fantasiado de trôpego extravagante, de majestoso estabanado, de maltrapilho hesitante. Estiveste lá. Querias uma associação de processos. Foi quando leste num folhetim: não se preocupe, a luz sempre vai achá-lo.
Fechaste o livro.
(Imagem: Rudolph Siebeck, 1812-1878)
Escreveste
Escreveste, como uma bruxa desdentada, as três da madrugada, tua infância em rios, riachos, açudes, mares e piscinas. Escreveste sem porrete, em pastos, penhascos, rodeado de anjos, teus olhinhos perscrutavam céus e árvores, pássaros e águas.
Mergulhaste.
Escreveste, tua adolescência impetuosa, medrosa, um bicho que se atirava, um menino quase gago, um rapaz que corria, um espantador de cansaços, um domador de emoções ligeiras, lembravas um mago envolvido num manto e para onde suas mão brandiam os futuros se curvavam.
Alinhaste.
Escreveste, tua maioridade imberbe, tuas noções sem lastro, teus sonhos leves carentes de mãe e pai, os passeios de bicicleta, as mulheres de todas as cores, os amigos professores, competidores, desorientadores, ministradores do exercício da amizade que fazia zigue e zague com teu ego sem interferir no teu caminho descaminhado que urdias dia a dia como um macumbeiro expatriado jogando subterfúgios ao contrario de búzios.
Pasmaste.
Escreveste, teus trinta anos feito um ET crivado de demônios, aquelas crianças que nasciam, diziam, são teus filhos, aqueles velhos que partiam, diziam, são teus avós, aqueles lares que demoliam, diziam, são infortúnios, aqueles sonhos que tiveste entre delírios e resquícios de noites eternas, manhãs baças, tardes palpitantes, quando almejava honorários meritórios brotavam cravos hilários, parecias um doutor sem roupa branca e sem diploma cuidando de navios que passavam ao largo.
Desembestaste.
Escreveste, teus quarenta anos numa rolha de cortiça, aquelas crianças que cresciam, diziam, são teus filhos, aquelas mulheres do outro lado da ponte, dizias, não conheço, plasmava trabalhos implorando a aprovação de néscios, querias o espírito, tateava eflúvios, num dia triste pensou: isto é bem mais do que apenas palavras. Parecias um curandeiro incoerente invocando Dácios e Sármatas para uma estrada de rateios vazios.
Esvaziaste.
Escreveste, teus cinquenta anos em giz branco numa lousa mais negra que óleo cru quando brota do chão, querias algo não para tomar posse, mas para uma parceria. Almejavas a sincronicidade ao invés da lógica para guiar o restante de seus passos. Topavas tudo, menos se tornar uma visão descolorida do que não és, ou fostes, ou serás. Puseste o Eu em todas as coisas, mesmo fantasiado de trôpego extravagante, de majestoso estabanado, de maltrapilho hesitante. Estiveste lá. Querias uma associação de processos. Foi quando leste num folhetim: não se preocupe, a luz sempre vai achá-lo.
Fechaste o livro.
(Imagem: Rudolph Siebeck, 1812-1878)