Doce espetáculo

Como se um sol bem amarelo brilhasse, a vitrine dava um novo formato ao céu. O sol quase podia ser visto com as mãos, não fosse uma nuvem de vidro. O amarelo gema de ovo dava um ar metafísico à contemplação. A pergunta pela precedência do ovo ou da galinha, que nos fazem desde criança, sempre me pôs a pensar no princípio do mundo. Começar ou não começar? parecia ser, naquele instante, a grande questão do universo, quando tudo estava paralisado em meus olhos. Só um começo poderia impor o movimento. Mas começar teria um preço. Um corte no doce especuláculo. Uma vez começado, é irreversível. Começar me faria sentir um gosto cujo não sentir era a causa próxima do meu desejo. A causa remota talvez sejam os cuscuz de milho em família ou os ovos colhidos no galinheiro da casa onde cresci ou, quem sabe, o vestido amarelo que veste meu corpo numa fotografia do jardim de infância. Todas doces lembranças ensolaradas, pintadas no meu imaginário. Quindim, mesmo, não lembro ao certo quando foi que levei à boca, pela primeira vez. O que sei é que, desde então, guardo alguma reverência por esse doce amarelo. Decidi não começar. O problema é que não começar também tem um preço: a coisa que não se inicia fica acompanhando a gente.