Meu Jesus - Páscoa

Talvez porque eu tenha nascido em berço simples – e, no sentido literal, as três filhas foram acolhidas no mesmo berço – meu Jesus sempre foi simples. Nossa árvore de natal era um galho retorcido de árvore, buscado no mato por nossa mãe, na estrada entre Corinto e a Febem, onde ela trabalhava cuidando de uma série de meninos Jesus, que frequentavam nossa casa, nos finais de semana. Esse lugar, fora da cidade, me ensinou muito cedo a enxergar as margens. Quando o galho chegava, nós o firmávamos em pedras, numa lata grande, envolvida por tecido ou pintada à mão, enfeitando-o com bolinhas miúdas que se tornavam espelhos, na brincadeira de nos ver. Era assim que Jesus nascia entre nós.

Na sexta-feira da paixão, sentávamos à mesa para comer do peixe que nosso pai pescava. Na volta do rio, nosso Pedro, fundador de nosso templo sagrado, limpava e cortava o peixe, enquanto nossa mãe cantava na cozinha, ungindo o preparo: por vezes frito, passado no fubá, outras vezes ensopado, com pirão de farinha de mandioca. As águas de rio sempre movimentaram nossa casa e cada um, à sua maneira, se apaixonou pela pesca e pelo milagre dos peixes. Nossa sexta-feira da paixão tinha mais de paixão que de cruz.

No domingo de páscoa, no café da manhã sempre tinha ovos cozidos, das galinhas caipiras do quintal, e cuscuz de milho, no formato de torre, com pedacinhos de queijo que mostravam pra nós, das gerais, que minas também chegava ali. Quando a refeição terminava, ganhávamos a rua, a caminho da missa, e o sol forte do sertão confirmava o amarelo vivo da nossa páscoa, que mais tarde viria a explicar meu gosto por girassóis, meu símbolo favorito da páscoa. No retorno, nossa mãe assumia a cozinha e o feitio do almoço, que novamente nos uniria e, na sobremesa, partilhava uma barra de chocolate entre nós, em quadradinhos que se revelavam como tesouro, na língua das crianças.

Só muito tempo depois eu viria conhecer o Jesus da Basílica de São Pedro, quando meus olhos testemunhariam a tentativa daquela e de outras cúpulas suntuosas de mexer com as estruturas da torre do nosso cuscuz. Mas o amarelo continua vivo: a gema do ovo continua me alimentado e eu continuo comendo cuscuz, na ressurreição de Jesus e, frequentemente, de mim mesma.