ODE À VELHICE

ODE À VELHICE

Sentado numa cadeira, braços colados à mesa,

mãos trêmulas já sem viço, rosto, um mosaico de rugas,

fita com olhar distante, o sol que brilha lá fora,

e sonha, ou, talvez, converse com Deus ou consigo mesmo.

Eis que um pálido sorriso aflora, discretamente,

nos seus lábios resequidos.

Que revelação ou sonho a vida lhe segredara

a ponto de devolver, àqueles olhos sem brilho,

um lampejo de esperança, um vigor de antigas eras,

desbotado pelos anos?

É um segredo que é só dele.

Respeitemos-lhe o direito de tê-lo só para si.

No silêncio que o rodeia lembranças de uma existência,

Impacientes, se atropelam para entrar na vida dele...

.

Velhice não é viver os valores do passado

divorciados do presente.

Velhice não é temer, um futuro sem futuro

à espera do inevitável.

Velhice não é parar a poucos passos da faixa

que assinala o fim e a glória de uma corrida estafante.

Embora os últimos passos sejam sempre os mais difíceis,

dramáticos, doloridos, vale à pena caminhá-los

e poder, de peito aberto, rompida a faixa final,

a plenos pulmões gritar, erguendo as mãos para o céu:

“eu consegui... consegui. Sou vencedor de mim mesmo”.

Velhice não é fugir das desventuras, das dores,

das lágrimas derramadas pela rudeza da vida

ou por ideais vergados, como se varinhas fossem,

comprimindo nossas mentes, levando-as ao desespero.

Não é fuga, é enfrentamento. É encarar, com valentia,

as angústias traiçoeiras que enfeiam uma existência.

É tirar de todas elas, novas forças pra enfrentar

as últimas armadilhas, covardemente plantadas

por inimigo invisível, cujo anseio é deslustrar

o valor de muitas vidas.

A velhice é um caldeirão onde, sem, receita própria

ou dosagem programada, dor e risos se misturam,

em proporções diferentes, ajustando seus sabores

para dar a cada vida seu valor definitivo.

Velhice não é descrer dos poderes da mandinga,

dos búzios reveladores, dos despachos, da magia,

dos nós fortemente atados, dos três pulos na fogueira,

do santo casamenteiro, amarrado pelos pés

e pendurado à janela, de centenas de crendices

às quais recorreu um dia, na busca de um grande amor,

razão primeira da vida.

Velhice não é negar os amores fracassados,

os amores arrancados, como pétalas ou flores,

um a um, esperançosos, no bem-me-quer-mal- me- quer

de sonhos quase impossíveis.

A velhice é o relicário dos mais diversos amores.

Como em leque colorido, as recordações, em sonhos,

uma a uma vão se abrindo, devolvendo-lhe a alegria

que o amor sempre confere a quem soube amar um dia...

Aquela lágrima triste que lhe escorre pelo rosto,

talvez seja de saudade pelo seu primeiro amor.

Por aquele amor tão santo, que, um dia, lhe deu a vida,

que o viu crescer, protegeu-o e, com as mãos inseguras

lhe acarinhava os cabelos já tão brancos quanto os dela.

Nem os cabelos mais brancos, nem a distância no tempo

conseguirão apagar aquele amor, quase eterno,

que se renova e que brilha na vida de tantas vidas...

Seu rosto, agora sereno, vai, aos poucos, se mudando

num sorriso diferente, direi, quase de euforia.

São lembranças de uma infância, pobre talvez, mas feliz,

que lhe povoam os sonhos. São amigos, são folguedos,

são brigas, são palavrões, são sorrisos que se cruzam,

são mãos dadas que caminham, lado a lado, confiantes,

são gestos de puro amor de crianças inocentes

que, se amando de verdade, juram viver sempre juntas

até ficarem velhinhas.

Por onde andarão agora os seus amigos de infância,

os seus colegas de escola? Foi-lhes a vida um martírio

ou um somar de vitórias? Alcançaram a velhice

ou desertaram da vida?

Suas mãos tateiam o espaço como querendo pegar

algo que lhe estava perto. As mãos trêmulas, contudo,

voltam vazias, sem nada. O passado, ali presente,

como enganosa miragem, num repente, se desfez.

Um prolongado silêncio toma conta do ambiente.

Seu rosto, agora impassível, seus olhos frios e parados,

seus lábios emudecidos, queixo, nas mãos, apoiado,

retratam nele o desgosto de ver, sumidos dos sonhos,

as alegrias da infância...

Como se fosse tocado por mão mágica invisível,

seu corpo inteiro estremece ressuscitando pra vida.

Volta a correr, em suas veias, o vigor da juventude

e seu coração, aos pulos, dá um ritmo novo à vida.

São paixões adormecidas, despertando vigorosas,

São amores esquecidos, mas presentes na memória...

É o amor que, em seu cardápio, lhe oferece seus amores

sem nenhum preço marcado. O valor de cada amor

será sempre avaliado pela sua perseverança...

Um olhar encabulado, um piscar convidativo,

um galanteio atrevido, um meneio de cabeça,

um sorriso de alegria, duas mãos que se entrelaçam,

um abraço, um longo beijo...foi assim que descobriu

o prazer suave de amor que movimenta duas vidas.

Mas o amor tem armadilhas espalhadas no caminho.

É instável, é imprevisível, seletivo, mentiroso,

traiçoeiro quase sempre, assassino algumas vezes!

Quantas vezes, em sua vida, chorou amores perdidos!

Quantas vezes tantos beijos foram tão falsos, tão frios!

Quantas vezes foi trocado por amores bem mais ricos!

Quantas vezes foi traído por promessas mentirosas!

Quantas vezes quis morrer ao perder um grande amor!

Assim é a vida do amor. Eleva-nos às alturas

e, num segundo, nos larga, festejando nossa queda!

Mas suas brincadeiras loucas perdem todo o seu poder

quando um amor verdadeiro une, pra sempre, duas vidas

que, cumprido o juramento de viverem lado a lado

nas alegrias, nas dores, chegam juntos à velhice.

E, num novo juramento, prometem continuar

se amando, de corpo e alma, no eterno reino do amor.

A vida só tem sentido quando vivida no amor.

Riquezas, glórias, aplausos, valores tão cobiçados

por todos durante a vida, já não têm maior valia

aos que, chegada a velhice, deles tiraram proveito

ou deles foram banidos.

A velhice os nivelou num mesmo silêncio e medo.

Suas forças definharam, seus sonhos se desfizeram.

Só lhes restam de valor, o seu convívio com Deus

e o amor com que são tratados...

Mas, deixemos de poesia, de belas frases de efeito,

de conceitos enganosos e mergulhemos, a fundo,

na realidade dos velhos.

Com bem poucas exceções, são vistos como uns inúteis

circulando, ainda, na vida. Não são mais do que empecilhos,

largados em qualquer canto, atrapalhando as passadas

dos que correm contra o tempo. São enfeites descartáveis,

em desuso, ultrapassados que enfeiam todo ambiente.

São farrapos, em asilos, vivendo à margem da vida.

São vidas que, se cortadas dariam, grande alegria

aos que delas tomam conta. São negativas visíveis

do que se entende por vida. Não são mais o que já foram.

Mas não culpem a velhice pelos males que ela traz.

São decorrências normais de qualquer vida na Terra.

A velhice é como a flor. Nasce, cresce, murcha e morre.

Seu valor não está na morte, mas na beleza e no aroma

que exalou, enquanto viva, perfumando tantas vidas!...

Se agora, ao quebrado e triste, isolado no seu canto,

desligado do ambiente, com a cabeça inclinada,

olhos fechados, dormindo, não lhe perturbem o sono,

mesmo se roncando forte. É um herói de mil batalhas,

vencidas ou derrotadas, gozando um justo descanso.

É aquele barco, em ruínas, que, novo, cheirando à tinta,

todas as noites saía pra pescar em mar aberto.

De manhã, voltava à praia com as redes estufadas.

Nunca temera as procelas, nem as ondas traiçoeiras.

Mas, um dia, o seu costado rangeu perigosamente.

Foi largado numa praia e não mais voltou pro mar.

A lua, sentindo falta do amigo de tantas noites,

foi procura-lo na praia. E ao vê-lo, disse às estrelas:

“EIS ALI UM VENCEDOR”.

João Roberto
Enviado por João Roberto em 22/03/2016
Código do texto: T5581199
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