Folhagens, ou aprendendo a voar
O livro me lê por dentro. E me quer assim, folha. Fruída em qualquer estação. Penso que as palavras inscritas nas folhas podem ser frutos. E os frutos, antes, eram flores. Algumas, jasmins. E as folhas deixam de ser verdes. Aos poucos, inauguram-se no amarelo da sabedoria. E produzem novas sementes. Estas, azuis, têm gosto de céu. Sementes são seres pequenos com grandiosidades de dentro. Imagino que elas gostem das estrelas, pois fazem de tudo para ganhar altura. Sementes guardam em seu cofre uma caixa de promessas. Geralmente cumprem-nas à risca. Penso que elas não têm vocação para a política. Cumprir promessa é coisa séria, pois nunca vi uma mangueira negar manga. Nem a passarinho que tem doçuras no bico e no canto. As palavras doces são como manga espada. Mas algumas palavras são mais espadas que mangas, pois ferem. Afiada a palavra precisa saber onde cortar exato. O gume das palavras afina-se em timbres de luar. Aí cortam de um jeito que fere sem doer. Mas conheço palavras-vespa que picam e deixam feridas profundas de jamais cicatrizar. Procuro uma palavra frondosa, onde eu possa descansar minhas tristezas. Talvez dormir e sonhar que sou livro. Desses de dar frutos apenas de prazer. Acredite, todos nós temos um dia de jiló. O amargo, às vezes, é apenas um doce que se esqueceu de tomar a lição das abelhas. E guarda no ventre um pólen estragado pelo ódio e pelo ressentimento. Pólen que fertiliza a mágoa por dentro. Lagoa estagnada, nem sapo a cantar. O amargo é apenas uma lição a mais que a vida nos dá. Quero aprender o mistério que faz a árvore feliz sem diploma. O mesmo mistério do pássaro que têm estradas ocultas que o levam aonde ele quer. E nem deixa rastro. Mas sabe o caminho de voltar. E repousa em ninhos de solidão, nos cumes do silêncio das montanhas. Então, mergulho dentro do livro que me lê e penso que suas páginas são asas que me ensinam a voar. Eu, pássaro menino me declaro. E me esqueço das horas que estão nos relógios. E me dedico ao momento pequeno que me respira entre um hausto e outro. A maioria dos mortais pensa que tem tempo de sobra. Eu mesmo nunca vi tempo sobrar, pois não se tem tempo de se ser tudo o que se quer. Melhor ser nada. Ser pequeno por fora e imenso por dentro. Feito semente, sorriso de esperança, tesouro precioso que sabe futurar. Brota, às vezes, da pedra bruta. E pedras sabem falar em silêncio. Admiro o silêncio duro e perene das pedras que de noite germinam montanhas. E são pouso de ave altaneira. O livro que me habita é rio contornando montanhas. E se faz de corredeira e espuma. E depois se perde por entre os vales do despensamento. E nem sabe mais se é peixe, se é folha, se é vento, se é nuvem ou se é chuva. Bendita é a folha que chove de dentro do livro. E se faz pensamento. Folhagens, gotículas, pingos de nada que se derretem ao sol. Multiplicam-se como estrelas. E depois se alvorecem de luar. E sabem que ainda há muitas histórias para se contar. Era uma vez uma folha que me ensinou a voar.
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(Ao amigo escritor
Bartolomeu Campos de Queirós,
que já se desfolhou.
E a todos os poetas aqui do Recanto que já se encantaram)