Um Dia de Mar
Numa tarde preguiçosa de verão, sonhei com o mar que estava à minha frente.
Havia topado num banco de pier, desses que desfalecemos após uma légua.
Para meu desacerto, um sol de rachar o lenho já ameaçava invadir o meu assento, mas não fiz caso dele! Quedei-me ali mesmo procurando a sombra verde de um coqueiro e fiquei!
Devo ter dormido de olhos abertos, como sempre faço quando fico sozinha comigo.
Após muitos anos, o lugar ainda era o mesmo: Não cresceu, não deu violência, não progrediu especulação.
Então, achei que o mar e o arvoredo fossem também os mesmos, testemunhas silentes de tantas coisas havidas, que não mudaram, permaneceram ali durante muitos anos de história.
E com eles, fiquei a espreitar o ambiente à minha volta...De repente,
voltei no tempo...Num arraial antigo, num correr de casas simples esquecidas na areia, com muitas redes estendidas a cortar com gravidade a praia.
Fazendo contraste com a placidez do lugar, homens muito queimados pelo sol lançavam-se num frenesi dinâmico : A esticar malhas , a trançar cordas e a refazer as nesgas deixadas pelos peixes mais ariscos. Puxavam n'água pequenos barcos de cores luzidias e quentes como eles. Eram barcos de pequenas velas brancas parecendo indeléveis ao sol.
Naquele tempo, ainda não haviam os blocos de concreto p'ra barrar o sopro das cidades e sufocar o seu frescor.
E veio o gosto acre do vento marinho, o marulhar quebrante na beira da praia e a espuma grossa a chegar com força entre os meus dedos.
Era quase dia quando as brumas do oceano avançavam sobre a costa emprestando um suave espectro a alguns barcos ancorados, adormecidos junto à mata imberbe e fria da manhã impressionista.
E longe, bem mais ao longe, um colar de contas brancas , adornadas por enfeites multicoloridos das muitas cores dos barcos. Eram os amigos barqueiros! Todos juntos numa mesma corrida, p'ra romper o mar até suas raias, poder trazer peixe bom ao fim da tarde e descansar!
E o dia foi passando no vai e vém das horas vagas e ocupadas, no estridor de homens fortes e ensolarados, a empurrar barco , a juntar rede e a cair no mar! E eu , em meio ao som das vagas cristalinas, onde me deito e sonho, sonhei na sombra do coqueiro verde todos os caminhos, que ainda não sei e cismo achar; eu, que agora era caminheira de sonhos , pude enfim despertar!
Desta vez, num pomar de odores mais fortes, mais marítimos, que insistiam entre os arrancos dos barcos por homens de sorriso aberto cantantes de suas vitórias e feitos!
O sol já aplacava quando a poderosa frota se abeirava da praia, um tropel de cavaleiros ágeis, a saltar da proa, a puxar arrastão, a trazer sua carga preciosa e fresca; extenuados, mas firmes na missão! Venceram o mar e seus poderes e agora irão partilhar os seus segredos.
E a tarde foi caindo , mais e mais, entre muitas histórias de mar e barcos cheios de vida; entre homens marcados pela fé e coragem em um único barqueiro santo p'ra salvar! Ah, São Pedro se não fosse você!
O que seria desses audazes marinheiros?
Destes nautas errantes, que perfazem distintas rotas dia a dia sem cessar! Cavalgando ondas, recolhendo ventos e escapando a incisivos sortilégios!
São piratas do mar! Piratas do Caribe, argonautas, que encabeçam nas águas como se abrissem portas! Roubam-lhes suas posses e ainda escapam às ciladas do oceano!
Chegando à praia exibem com orgulho suas riquezas, alegria simples de gente honesta e boa.
E assim terminara a tarde, feita de muito sol e mar, feita de muitos seres reluzentes, dourados pelo brilho dos raios e das colheitas.
São tão nobres e só agora vão p'ra casa descansar!
Vão rumar p'ras suas tendas; lá haverá sempre a boa e quente comida sobre a mesa e a boa mulher sempre atenta a esperar! A cama de vime p'rum corpo cansado , que logo vai dormir e acordar...
P'ra mais um dia de madrugar cedo,
mais um dia de mar...
P'ra mais um dia da Graça de São Pedro;
um tempo de vitória, a contar p'ra filho e neto,
depois de um merecido descanso,
em mais uma tardinha morrente
de sol muito quedante e ofuscado,
pelo sempre franco sorriso largo
de um pescador vencedor!