Paisagens da Alma XI
Ouço os primeiros pingos que caem lá fora como enigmas dos sentidos, coisas sem sentidos, estalidos que me causam sono, me transportam para longe de mim, como quem observa ao longe ir embora um grande apego abanando as mãos. Ouço e já gozo de antemão o prazer de saber que há chuva, e que antes que eu termine esta frase, na demora de não saber bem o que se quer dizer, ela já tenha começado a cair – e começou. Cai em peso, como um grito uníssono de uma multidão por cima dos telhados das casas e das árvores, das plantas e da terra. Tudo em mim dança ao frescor do cheiro de terra molhada que aos poucos vai ganhando vida. Deságuo-me pelas enxurradas que do telhado caem, empurradas por mãos invisíveis, dentro dos baldes velhos deixados para que a água caia. Aos poucos sinto-me enchendo como um balde, com água de sonho, um sono sereno que se esparrama pelo corpo até transbordar-me num manancial onírico de sossego e harmonia. Dormirei meu sonho desperto como quem dorme a beira de uma árvore de sombra fresca depois de uma longa caminhada, e sonha que é um ribeiro a correr esquecido ao silêncio do luar e das estrelas.
Tenho sono na alma, nos desejos e na ânsia, chove e esqueço-me na chuva que desce do grande céu mudo, e assim vou me retirando para sonhar a margem de mim mesmo...
Chove. E a alma dorme enquanto sonha...