Paisagens da Alma X

O céu está nublado, há um aspecto escuro em alguns cantos, vejo nuvens carregadas de chuva que ameaçam cair por sobre os telhados dos amontados de casas, mas não cai. O dia é cinza e calmo, transeuntes passam pelas mãos do esquecimento esquecidos de si mesmos, enquanto escrevo estas palavras para esquecê-las e me esquecer por entre as letras. Ouço algumas vozes que me chegam incompletas: sons vagos de coisas que não chegam a ser, e levanta por cima de todos os sons a música do caminhão de gás em algum lugar ao longe, que suponho ser por trás de mim, subindo as ruas molhadas acima.

Uma brisa leve, gélida, que vai passando pelas minhas pernas tira-me a atenção dos sons de carros e vozes que ainda escuto, mas não ouço. Releio o que escrevi, distraidamente. Sinto tédio ao terminar de ler. Os olhos sonolentos fitam a folha e a caneta sem vê-las. Passa a vida e eu aqui nada a fazer de mim, passando como tudo passa...

Penso no sentido das palavras, nos tons e timbres de sons que criamos para nos comunicarmos, e vejo toda construção de um mundo ilusório guiado pela interpretação que se tornou a percepção original.

Tudo é sonho. Tudo é nada. Que sentido tem a palavra cor para quem só enxerga escuridão; que sentido tem a palavra "mel" se não provarmos o que é o mel? É vazio. Nada significa. E quando provamos o mel a palavra perde todo o valor. A palavra é apenas uma indicação.

Ando querendo pouco saber, tenho preguiça nos sentido e ando a sonhar mais quieto.

O dia aos poucos vai se despedindo num adeus eterno, vai sem avisar, enquanto a noite já vem por sobre o horizonte acendendo lentamente as luzes dos postes; vozes borbulham do silêncio, abafadas pelos sons mais próximos a mim. Escrevo e penso nestas pessoas que não sabem de minha existência, sou para elas o que elas são para mim. Eu as ouço mas não vejo - existem e não existem. Penso sobre o tempo e quanto tempo passei a aqui meditar; só vejo impressões vagas e palavras distantes trafegando pela mente e nada parece real além do sentimento do corpo e a da realidade externa. Não sinto o tempo. Sinto tudo como um sonho, nem o que aqui jaz escrito faz algum sentido para mim.

São já outras coisas de outro momento, que só conheço enquanto escrevo...

Vai dormindo o dia, e a monotonia da tarde vai dando lugar ao movimento da noite. Sonho minha vida falsa nestas palavras que passam por mim como passa o vento. Nada fiz de mim e o dia findou. Que tédio. Tempo sem volta, vazio que passou, agora imagens de sonho no fundo do ser. Termino este texto inútil e sem sentido com a mesma sensação que comecei a escrevê-lo - a de estar sonhando a mim mesmo...

Fiódor
Enviado por Fiódor em 01/03/2016
Reeditado em 02/03/2016
Código do texto: T5560448
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.