Paisagens da Alma IX

Às vezes cai sobre mim, como um sono inquieto, um peso, um fardo moral, um desgosto tão grande de todos os deveres para com tudo e todos, que me desgosto a mim e a vida e tudo nestes momentos; um sentimento sombrio, um pesadelo acordado - medo profundo, sem qualquer conexão com nada a não ser o que vejo-me a pensar. A culpa, o medo, raiva, o ressentimento, vingança, insegurança, a incerteza das coisas que não aconteceram, passam todos estes sentimentos dentro de mim como um tempestade.

Por um ligeiro deslize confundo o que sou e o que penso, e sou possuído pelos pensamentos que como ondas do mar arrastam-me as ideias e o ser para um desespero sem esperança. Vou aos poucos torturando a mim mesmo com o conhecimento existencial que juntei em vida - todos as ideias, principalmente as mais pessimistas -, sentimentos obscuros, sensações de delírios vão se tornando um imenso sofrimento. Pensamentos enforcam-me como mãos em minha garganta, deixando a respiração mais intensa, mergulhando-me numa solidão em que me sinto incomodado, ansioso, com medo de coisas que não são reais.

Distancio-me o máximo possível das pessoas - é a última coisa que quero ver nestes momentos. Misturo-me a lembranças, pensamentos, desejos, medos e insegurança, pensamentos ansiosos; vou pelas sombras inquietas que se movem incertas com o amanhã, incomodado por uma sensação de marasmo e inquietude que não há nada que alivie. Fico desassossegado, como quem delira de febre baixa, com a incerteza de tudo que ainda está por vir a ser.

Sentimentos sombrios que aos poucos vão ofuscando, como nuvens de um céu nublado impede que a luz do sol brilhe, a luz que há em mim, deixa-me na frialdade cruel do crânio oco a delirar no vazio de minhas ideias. Quanto mais penso mais próximo aos pensamentos vou ficando, mais identificado, mais real vai se tornando o sonho, e então vejo-me deslizando pelas lembranças, aos tempos que já não me pertencem mais. Sinto o perfume doce, nostálgico, dos bons momentos que entorpecem os sentidos, e desejo voltar, mas voltar para onde? Se tudo que sinto é uma saudade de coisas que não existem mais.

Então me vejo descendo, como a última folha do outono, em meio a paisagem seca e fria, caindo lentamente para o chão frio de mim mesmo.

A incerteza de tudo não deixou espaço para mais nada a não ser o frio na barriga. O corpo instável pesa como um fardo terrível por sobre a terra. Cresce-me por entre a sensibilidade um sentimento pavoroso, um desejo de nunca sequer ter existido, de nada ter vivido, o que é impossível de se realizar. Mas como tudo passa, aos poucos um vento vem e assopra, vagarosamente, como assopra as nuvens, e vai deixando-me claro e azul como o céu. Brilha o sol. E rio, como um bobo, para as vozes na cabeça que diziam que por trás das nuvens densas de sentimentos sombrios o sol deixava de brilhar.

Fiódor
Enviado por Fiódor em 01/03/2016
Reeditado em 02/03/2016
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