Paisagens da Alma VII
É tarde. Tão tranquilo é o dia que nada penso, nem consigo pensar. Sinto sem ter por quem está a sentir em mim. Estou ausente, andando silencioso por debaixo da superfície dos sons dos carros, das vozes e dos barulhos do cotidiano batido, que borbulham como bolhas que se formam nas poças d'água com as gotinhas de chuva. Por cima das casas o grande céu, que sei que ali não há, observa-me com seus olhos azuis celeste, formando um tapete de nuvens que quanto mais olho mais esqueço-me em seus contornos e abstracionismo. Olho-as tanto que sinto sua textura com os sentidos da imaginação, como se fossem sólidas, fofas como algodão-doce. O dia vai se esquecendo silenciosamente junto ao céu de nuvens densas, meu olhar paira por sobre as coisas como um sereno que cai lentamente do profundo mistério.
Surge-me a vida que sou por sobre mim e tomo consciência da grandeza deste momento. Vou-me ausentando de mim mesmo e das coisas que penso ser, da roupagem pesada de um eu cansado, e nas águas calmas do lago da vida a alma derrama-se como um sono tranquilo para dormir nas profundezas do coração de Deus. Repouso-me, embalado pelas mãos da eternidade como um filho nos braços da mãe.
Sem que eu queira surge-me à flor da consciência o mistério vivo de todas as coisas, silenciosamente através dos cantos dos pássaros, do vento, das nuvens, das árvores, e de mim mesmo.
Vejo uma estradinha virando a curva do horizonte, meus olhos a seguem como se estivessem caminhando, enquanto sinto a imensidão da coexistência de tudo. Nada existe, apenas coexiste.
Um urubu plaina em rodopios para além de algumas nuvens, ambos, eu e ele, separados pela altura, mas juntos como paisagens da minha alma.