GAVETAS
(Claude Bloc)
 
Eu precisava dela naquele momento: uma página, uma nesga de papel. Nela eu rabiscaria o esboço de alguns textos novos e lustrosos. Nada daqueles escritos mofados de quando o tempo se escondeu de minha vida. Não! Seriam novas frases, novas ideias, novas cores. Começaria a escrever, simplesmente isso. Iria ler tudo depois, reler se necessário, mas naquele momento eu queria falar sobre as agitações novas que hoje escorriam pela tangente de meus pensamentos.
 
Lembrei-me de ter visto papel pautado em alguma gaveta, o que me deixava mais tranquila. Eu precisava ter em mãos naquela hora a textura granulada do papel. A folha sem rabiscos. Precisava escrever e dedilhar aquela ansiosa expectativa. Tocar a folha. Encher a pauta. Aquela que tantas vezes conduz o fluxo da história, aquela onde a mão inquieta vai pousando como uma borboleta até transformar-se em néctar.

É sempre assim que acontece quando vasculho essas gavetas. Uma vontade insiste que eu me detenha nessa prática, um desejo me afronta e me consome o pensamento. Não consigo, então, me resignar, esperar, pensar que em outro momento a calma seria uma redentora. E ansiosa me ponho revirar essas gavetas. Não é só o papel que está ali. São também algumas de minhas lembranças. Algumas que me embaralham. Outras que me trazem sorrisos e vêm até minhas mãos através daquelas letras que se apoiam nas fronteiras do presente e me sopram ao ouvido aquilo que quero falar.

Gavetas cheias de histórias, de hoje e de ontem. Risadas que acendem fagulhas nas minhas lembranças. Esboços de um tempo que existe de fato e que se entrelaça em minha vida sem mistério...

E assim, na hora precisa, tomo em mãos mais uma página, mais uma folha de papel para deitar nela pequenos recortes de tempo, fragmentos de uma história em que eu era uma espécie de figura invisível, apenas uma mente acompanhando a narração. Uma observadora à parte do texto.

Daí porque aquela folha de papel era minha salvação. Ali eu poderia contar a história da história. Sem medo de nunca mais encontrar as palavras com que muitas vezes me confessei às páginas de minha vida.