Paisagens da Alma III

Acendo um cigarro. Estou próximo a casa onde costumava brincar quando criança. As lembranças aos poucos(sem que eu queira) vão me inundando de impressões vagas, sons sem sons, paisagens de sonhos, idiossincrasias que se misturam ao torpor que o cigarro causa-me as vistas. Bato à porta da nostalgia, moribundo, e esta, como quem já esperava pela visita, ostenta um sorriso de compaixão - mas seus olhos não sorriem...

A casa por fazer, a estrada encharcada que se divide numa encruzilhada, os risos que se foram, os choros que ainda choram, o sonho de mim mesmo, ilusão dos sentimentos. Lembro tudo como se fosse nada, pois nada disso é certo, senão como um reflexo de mim mesmo. Aos poucos desce do vácuo imenso as primeiras gotas de chuva que efluem de alguma chuva ao longe, que se pronuncia nas trovoadas no horizonte. Olho para o chão, para as formigas que passam ordenadamente, guiadas pelo impulso de vida que a morte, sem que elas o saibam - e por isso não se importam - faz questão de anular a todo momento. Sinto a morte de tudo o que destino descreveu para cada instante, e que incluiu para si mesmo.

Compartilhamos o esforço vazio de existirmos, esquecidos na vacuidade das coias que passam a todo instante - formas que nunca chegam a ser, incompletudes que se anulam, paisagens de minha alma nostálgica, teatro sem roteiro em que me assisto sozinho, no palco vazio, a encenar para ninguém. Despenca chuva, cai como coisa nenhuma...

Fiódor
Enviado por Fiódor em 24/02/2016
Reeditado em 01/03/2016
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