Lamento de Inverno
Não estou pedindo que segure minha mão
Estou só, que é como os seres do gelo devem ficar
É como os lobos sem alcateia sabem ficar
Num mundo de gelo qualquer deslize vira avalanche
Qualquer pisada mais firme quebra a crosta e leva ao lago congelado
Qualquer demonstração de fraqueza te faz presa do mais forte
E esperar compaixão é o mesmo que sonhar com calor na floresta hipotérmica
Estou só. É como os seres do gelo devem ficar
Como merecem ficar, meditando sobre os corações que perderam e as almas que tentaram manipular
Num mundo de gelo o ar é rarefeito, mas não me importo
Porque não conseguiria mesmo respirar
Cada dia aqui pode ser o último
Por que a eternidade haveria de me importar?
Eu quis aquela presença perene, e ainda a quero
Mas simplesmente não conseguiria suportar
Todo ano, as presenças derretem uma a uma
Como flocos de neve no início da primavera
E eu fico lá feito estalactite solitária
Pendurada friamente em qualquer lugar
Todo ano, o sol vem e ofusca meus olhos
E eu sou fraca demais pra lutar
Todo ano, a vida vem e rouba meu melhor sorriso
Como uma espécie de imposto a coletar
Por momentos incríveis cujo fim já é preço pesado demais pra suportar
O outono vem e as folhas caem e não sobra memória alguma do ano que passou
As novas flores nunca conhecerão suas irmãs mais velhas
E murcharão antes das mais novas nascerem
Eu não pedi por esse ciclo, não pedi por nada disso
Vejo a despedida com meus olhos amaldiçoados em cada gota que evapora e nunca mais cai no mesmo lugar
Em cada manhã de sol que leva embora um sonho nunca mais lembrado
Em cada último pedaço de bolo que nunca terá o mesmo sabor do próximo a ser assado
No melhor jogo de vôlei que nunca mais reunirá os mesmos amigos e as mesmas risadas
E a vejo rubra em seus olhos cada vez que me cumprimenta, com um medo insano de que seja a última
Eu não pedi pra ser sensível, não pedi por nada disso
Ainda assim te menti, pois quero que segure minha mão
Quero que seja meu amor perene
Ou será inverno pra sempre
E as estações estagnarão