Diário de um diabo - Onze dias

Morrer jovem nunca foi uma ideia distante para mim.

Se o pior cego é o que não quer ver, eu sou o pior cego.

Tenho medo de ver a minha mãe morrer, medo de ficar sozinho, tenho medo de ficar careca, de ficar mudo...

Quando você encara o abismo, o abismo te encara de volta. É assim pra todo mundo debaixo dos Céus..

O óbito enquanto processo biológico de falecimento de uma pessoa não é o prisma aqui. Falo aqui perfunctoriamente sobre a ideia de morte pela perspectiva do que há de mais humano sobre a face da Terra, ou seja, arte, filosofia e fé.

Hoje em dia, acredito em Deus. Acredito ainda no diabo.

Deus é bom, o diabo é xujo!

Há um dualismo em mim que me marca e mata, abraça e abarca de beijos e socos a minha alma todo santo dia.

Faço pouco caso, dou de ombros e saio à francesa, mas em tudo o que eu olho eu vejo a vida que segue; e a morte me segue.

Certamente não existem muitas possibilidades de um ser humano comum encarar a morte de volta, porém, por obrigação, um humano artista deve sempre encarar a morte. Não para entender o plano mor espiritual, mas apenas para perceber se há na morte sentido para quem vive, digo, sobrevive. Não para quem parte, mas para quem fica. A miséria de morrer acaba na morte para quem morre.

Que é morte?

Quem morreu?

São dores de estômago as piadas que não conto. São muitas furadas em busca de veias, soros e antibióticos que não acabam dia e noite, e agora essa pneumonia. Estou triste porque vou morrer assim. Hoje acordei odiando todos nessa enfermaria. Eu não sei viver.

Só penso em ir para casa.

Estou escrevendo sem muita certeza do que quero dizer, já faz dias que não leio nada. Estava tão animado com o outro oncologista.

Só queria ir para casa.

Vida e morte sem Verinha.

Saudades dos meus humanos preferidos, não estou com raiva de quem não veio me visitar ainda, mas me sentir só não é uma opção. A gente morre só...

Estou pensando na morte ideal.

Quantos humanos nunca morreram, quantos nunca morrerão...

Uma ideia pode ser imortal, um humano pode ser imortal...

Quando morre alguém que reputamos por querido, logo dizemos em tom de solidariedade, Fulano viverá para sempre em nossos corações...

Viverão os grandes sempre em nossas mentes. Será que mentes? Será que não esqueces?

De que reis não lembro mais? Atores, inventores, generais. Não sei quem lembrará das façanhas dos anônimos.

Quem lembrará da minha amada Leonice? Quem lembrará de mim?

Há onze dias encarei a morte de frente, ainda fico arrepiado só de lembrar. Estou errado, sei que estou, não devia aceitar o amplexo do anjo da morte.

Gosto quando o Tramal começa a fazer efeito, vou ficando grog... estou grog... sempre quero não acordar nesse pesadelo.

Porra! Não tenho mais tempo.

Drachir
Enviado por Drachir em 08/02/2016
Reeditado em 08/02/2016
Código do texto: T5537477
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